quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Quando encontramos uma boa obra de arte, aprendemos mais sobre nós mesmos

domtotal.com
A igreja acredita que, na encarnação de Jesus Cristo, a vida invisível de Deus tornou-se 'visível' para homens e mulheres.
Cantoria de Donatello foi esculpida entre 1433 e 1438 e é considerada uma das grandes obras do primeiro renascimento florentino.
Cantoria de Donatello foi esculpida entre 1433 e 1438 e é considerada uma das grandes 
obras do primeiro renascimento florentino. (Museo dell'Opera)

Por Edward W. Schmidt, S.J.

Andar pelas ruas de Florença é como respira a arte no ar. A arte está em toda parte, faz parte da vida cotidiana. Obras-primas são reunidas em alguns grandes palácios, mas também se concentram em espaços menores que atraem multidões curiosas e interessadas, como praças e pontes. Entre estes espaços está o recém-concebido e renovado Museu dell 'Opera del Duomo, que reabriu no outono de 2015 após anos de planejamento e trabalho.

A Opera del Duomo, a Fundação Catedral, supervisiona a catedral de Santa Maria del Fiore, o campanário de Giotto e o batistério de São João nas proximidades. Seu museu preserva a arte do passado desses três monumentos florentinos.

O renovado Museu dell 'Opera tem um forte senso de missão. Seu desenho proporciona mais do que apenas uma chance de ver uma ótima obra de arte. Oferece um encontro entre o visitante e a arte. Os amantes de museus podem encontrar não apenas a arte, mas também o artista e o mistério religioso por trás do trabalho, bem como os desafios e tradições que representa. Visitar o museu significa tomar um tempo e um espaço para esse encontro. O museu acolhe o convidado não apenas para visitar mais um destino turístico de um itinerário, mas para ser mudado, edificado e inspirado pelo que o visitante viu e sentiu.

Há vinte anos, os bispos da Toscana emitiram um documento sobre como a igreja deveria usar explicitamente os imensos tesouros artísticos que possui para a evangelização. Os bispos estavam antecipando um aumento no número de visitantes na virada do milênio e queriam que os turistas experimentassem mais do que uma visão artística. Eles queriam enriquecer a fé. Mons. Timothy Verdon, que supervisionou a reconstrução do museu, foi aquele que elaborou a carta para os bispos. Hoje ele é o diretor do museu e supervisiona sua missão.

"A igreja acredita", disseram os bispos, "que, na encarnação de Jesus Cristo, a vida invisível de Deus tornou-se ‘visível’ para homens e mulheres e este testemunho nos foi transmitido, que esta vida "estava voltada para o Pai e nos apareceu" (1 Jo 1,2). Serve para levar as pessoas a uma comunhão com a igreja e, finalmente, com a própria Santíssima Trindade".

Eles declararam que "a importância das imagens na tradição litúrgica e devocional cristã deve ser ponderada sob essa luz. A mensagem visual do Evangelho – algo que vimos com nossos próprios olhos – tem, além disso, gerado formas de expressão visual que a tradição e o magistério atribuíram um significado teológico singular".

A declaração dos bispos deu o passo ousado de esperar que, mesmo os não crentes que se deparem com essas grandes obras de arte, encontrem algo em seu eu mais profundo. Eles queriam que os crentes facilitassem isso, não como uma evangelização excessivamente fervorosa, mas como um convite para ver, encontrar e experimentar algo a mais. Como os fiéis são "chamados a promover a comunhão ecumênica, queremos preparar os crentes para ver e mostrar a fé aos outros", aos "peregrinos jubilosos", mesmo quando estes provêm de outras confissões cristãs ou tradições religiosas não cristãs – um patrimônio pertencente a todos nós e isso toca todos os homens e mulheres. Em particular na arte toscana dos séculos XIV e XV, crentes e não crentes encontram uma linguagem que os une, uma herança fraterna. Essas coisas também constituem "libertação" e "retorno".

Os bispos queriam, escreveram: "acabar com os efeitos banalizantes da atividade turística em igrejas, mosteiros e santuários, mas não excluir os turistas, que – mesmo que nem sempre de forma consciente – estão entre os ‘peregrinos’ desta época em busca do significado".

Essa visão animou o trabalho do jubileu de 2000 e foi fundamental para a renovação do Museu em Florença. O mesmo monsenhor Verdon supervisionou o trabalho de restauração e renovação. O museu está localizado em um prédio de uma rua estreita na parte de trás da catedral. Este edifício foi um atelier para Filippo Brunelleschi enquanto trabalhava em vários projetos, incluindo a magnífica cúpula da catedral, que leva seu nome. Ao longo dos séculos, o estúdio foi convertido em um palácio, um teatro e até uma garagem. Em 1891 parte do edifício foi aberto como um museu, que foi modificado ao longo dos anos. Também serviu como um armazém para obras que eram muito numerosas para serem exibidas.

Muitas dessas obras vieram da catedral, que passou por várias fases de construção para a acomodação de novos estilos e a mudança dos gostos. Em um ponto da história, todas as estátuas foram removidas da fachada e colocadas na reserva e a fachada foi refeita em um estilo gótico mais moderno.

Uma praça rodeia a catedral, e a magnífica torre do sino de Giotto eleva-se no lado sul da entrada principal. Em frente a essa entrada fica um elaborado baptistério com os famosos "Portões do Paraíso" de Lorenzo Ghiberti.

A praça entre o batistério e a catedral foi chamada de paraíso. Aqui é onde a vida da igreja acontece, entre o batismo, de um lado, e a Eucaristia, as confissões, os casamentos, do outro. Aqui, as pessoas se encontram enquanto caminham pela cidade, os vendedores ambulantes vendem suas mercadorias, aqui os amantes andam e as crianças brincam. As estátuas no alto da fachada da catedral, no baptistério e no campanário olham desde cima todo o entorno. E as pessoas abaixo levantam os olhos e vêm imagens que representam os santos, mas parecem com as imagens do padeiro em sua pequena loja ao virar da esquina, a mãe que carrega seu bebê no mercado, o mendigo com o copo estendido, o vizinho saindo da lavanderia. O céu encontrou a terra aqui. Esse é o ponto, os santos estão conosco, entre nós. Nós somos os santos. Estes santos estão agora protegidos do clima e da poluição do ar, descansando no museu.

Quando se passa da área de entrada do museu para as galerias de exibição, um percorrido ao longo de uma parede revestida de mármore. Aqui, os nomes de humanistas, músicos, arquitetos, escultores, pintores e artesãos que durante sete séculos trabalharam para criar os tesouros artísticos deste complexo sagrado, encontram-se majestosamente inscritos. Uma sala deslumbrante acolhe as estátuas do batistério e a fachada da catedral frente a frente mais uma vez, e o visitante de hoje pode procurar entre esses santos, como fizeram os florentinos de 600 anos atrás.

Uma série de 54 painéis que originalmente adornavam a torre do sino de Giotto agora está no museu para proteção. Réplicas cuidadosamente feitas agora cercam a torre. Entre as imagens figuram uma série que retrata o trabalho da vida cotidiana, incluindo a agricultura, a tecelagem, o trabalho em metal, o pastoreio, a legislação e a navegação. Mais uma vez, os antigos florentinos podem ser facilmente vistos no seu trabalho, sua vida cotidiana, entre santos e profetas.

Outra galeria coloca dois balcões para músicos um em frente ao outro, pois estavam originalmente situados no centro da catedral. Dois mestres artistas, Luca della Robbia e Donatello, esculpiram relevos de mármore de crianças tocando instrumentos e dançando. Essas crianças estão desfrutando a presença de Deus. Em uma era de alta mortalidade infantil, mães e pais, irmãs e irmãos podiam tomar consolo olhando para cima e vendo que as crianças estão felizes e seguras.

Três obras primas estão especialmente posicionadas para evocar a oração e a contemplação. Uma galeria exibe a "Penitente Maria Madalena" de Donatello. O espaço não é vasto, mas também não se encontra lotado de outras obras, apenas alguns grandes pedaços de altar ao longo das paredes. Atrás da Madalena está um crucifixo do século XIV colocado para que aquele que olhe diretamente para a Madalena veja o Jesus crucificado em segundo plano -uma profunda afirmação teológica. Em um quarto à direita encontra-se uma "Pietà" de Michelangelo, uma das três que ele esculpiu. Esta obra da velhice do artista mostra seu rosto na figura de Nicodemos segurando o corpo de Jesus com Maria ao lado direito do espectador e outra figura à esquerda. A escultura é levantada acima do chão até um nível que Michelangelo originalmente pretendia dar a perspectiva adequada. A configuração evoca a conexão entre a crucificação e a presença de Maria Madalena lá.

Há indícios claros de que a renovação do museu está funcionando. O número de visitantes aumentou quatro vezes. E, o mais revelador, Monsenhor Timothy Verdon relata que a duração média de uma visita aumentou de quarenta minutos para uma hora e meia.

O senhor vê algum conflito no intuito de usar arte para a evangelização, perguntei-lhe. O que é ars gratia artis, arte pela arte?

O "Infortúnio de Hollywood", Monsenhor Verdon responde. A arte é usada para decorar, com certeza, mas também para fazer uma declaração sobre a riqueza ou a fé ou o bom gosto do patrono. É usada para a política. Pode ser mal utilizada, é claro, voltada para metas menores. Mas também inspira, constrói e liga. Monsenhor Verdon escreve no catálogo do museu: "O novo museu é de fato melhor lido como o espetáculo da beleza ao serviço dos santos". E "a mensagem, no início do século XXI, é a de uma unidade cultural esquecida em que o sagrado expressou as aspirações da comunidade secular, a beleza e a dignidade da humanidade". O Museu dell 'Opera del Duomo é o presente de Florença para o público, oferecendo alimento espiritual e artístico. Os visitantes aqui permanecem, aprendem, sonham e rezam, tentando encontrar uma ótima experiência de arte e uma grande parte de si mesmos.

America - Tradução: Ramón Lara

Nenhum comentário:

Postar um comentário