sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Celibato e cultura de segredo contribuem para abuso sexual católico, diz estudo

domtotal.com
Um relatório examinou as conclusões de 26 comissões e inquéritos reais da Austrália, Irlanda, Reino Unido, Canadá e dos Países Baixos.
Um estudo abrangente revelou que o celibato obrigatório e uma cultura de sigilo aumentaram o risco de abuso sexual infantil na igreja católica.
Um estudo abrangente revelou que o celibato obrigatório e uma cultura de sigilo aumentaram 
o risco de abuso sexual infantil na igreja católica. (Tracey Nearmy / AAP)
Por Melissa Davey

O celibato obrigatório e uma cultura de segredo criada por papas e bispos são fatores importantes que elevam as taxas de abuso infantil como acontece na igreja católica, apontou um minucioso estudo.

O estudo, que analisou as descobertas de 26 comissões reais e outros inquéritos da Austrália, Irlanda, Reino Unido, Canadá e Holanda desde 1985, descobriu que, embora a ameaça de crianças em instituições tenha sido consideravelmente reduzida na Austrália, as crianças continuaram em risco nas paróquias, nas escolas católicas e nas instituições residenciais católicas em outros países do mundo, especialmente nos países em desenvolvimento, onde existem mais de 9 mil orfanatos dirigidos por católicos, incluindo 2.600 na Índia.

A natureza patriarcal das instituições católicas significou um obstáculo na hora de denunciar o abuso e, enquanto um número pequeno de freiras eram abusadoras, o relatório descobriu que o risco de abuso era muito maior em instituições onde sacerdotes e irmãos religiosos tinham contato mínimo com mulheres. O relatório estimou que cerca de 7% do clero haviam abusado de crianças entre 1950 e 2000.

"Seu contato com as mulheres nas instituições de treinamento de professores teria sido cuidadosamente censurado e depois eram transferidos para escolas de apenas homens, onde eram responsáveis ​​por meninos e adolescentes", disse o relatório.

"E eles estavam vivendo em comunidades religiosas onde todos eram homens. Eles tiveram que se conformar com uma imagem sacralizada de uma Virgem Maria sem sexo. Era uma receita para um desastre psíquico e espiritual".

Um sacerdote católico que ajudou a comissão real de abuso sexual de crianças, professor Des Cahill, diz que descobriu que ele tinha vivido e trabalhado com sacerdotes pedófilos e esta foi parte da razão pela que ele se dedicou nos últimos cinco anos a analisar por que o abuso infantil atormentou tanto à igreja.

Na quarta-feira, as descobertas de Cahill e seu coautor teólogo, Dr. Peter Wilkinson, foram divulgadas em um relatório: Abuso Sexual Infantil na Igreja Católica: uma revisão interpretativa dos relatórios de literatura e informações públicas, publicado pelo Center for Global Research do Instituto Real de Tecnologia de Melbourne.

Os resultados analisam por que a igreja católica e seus sacerdotes e irmãos religiosos, mais do que qualquer outra denominação religiosa, se tornaram historicamente sinônimo de abuso sexual de crianças.

Cahill serviu durante muitos anos no Conselho Episcopal Australiano para Pesquisa em Pastoral e foi coorganizador da For the Innocents, um grupo de apoio e advocacia para vítimas de abuso. Ele renunciou ao ministério no início da década de 1970.

"Depois que a questão do abuso se tornou pública, em torno de 1978, comecei a me perguntar:" Por que isso aconteceu?", Disse Cahill ao jornal Guardian Austrália. "Eu conheci alguns dos sacerdotes perpetradores, eu estudei com eles e morava com um deles. No entanto, nunca percebi nada enquanto estava na igreja. “Você tem que entender, um padre molestador age de maneira muito secreta e não quer ser descoberto”.

Os descobrimentos de Wilkinson foram feitos depois de examinar relatórios de comissões reais, estudos acadêmicos, relatórios policiais e relatórios de igrejas de todo o mundo desde 1985. Entre as conclusões estava que o celibato obrigatório era e continua sendo "o principal fator de risco precipitante para o abuso sexual infantil" e que os papas e os bispos criaram uma cultura de sigilo, levando a uma série de falhas grosseiras na transparência, na responsabilidade, na abertura e na confiança.

A questão da confissão também foi examinada. No mês passado, a Comissão Real de abusos sexuais da Austrália pediu aos clérigos que se recusaram a reportar abuso sexual infantil à polícia para enfrentar as acusações criminais dispostas pela lei, quando a informação é recebida durante uma confissão religiosa.

A recomendação provocou uma resposta irritada do arcebispo da arquidiocese de Melbourne, Denis Hart, que disse que arriscaria ir à cadeia em vez de denunciar alegações de abuso sexual infantil partilhadas durante a confissão e que o sagrado da comunicação com Deus durante a confissão deveria estar acima da lei.

Cahill, que continua sendo um católico comprometido, embora ele agora trabalhe na academia depois de se demitir do ministério para se casar, disse que seu relatório afirma que a decisão do Papa Pio X em 1910 de diminuir a idade em que as crianças fazem sua primeira confissão para sete anos indiretamente contribuiu para colocar mais crianças em risco, e que a igreja em várias ocasiões em sua história permitiu que o selo da confissão fosse quebrado.

Cahill acredita que, se uma criança dissesse a um sacerdote em confissão que ela tinha sido abusada, o sacerdote tinha a obrigação de denunciá-lo e que isso não significaria uma violação da santidade da confissão porque a criança não pecou e, portanto, informar a polícia não estaria revelando nenhum pecado da criança.

Mas era justo para as crianças dar a seus perpetradores um ultimato em vez de denunciá-los imediatamente à polícia?

"Você deve lembrar que pessoas como Hart disseram que prefeririam ir à cadeia do que ir diretamente para a polícia", disse Cahill.

Mas o Dr. Judy Courtin, um investigador institucional de abuso sexual que representa vítimas de abuso em Angela Sdrinis Legal, questionou a inclusão no relatório de Cahill de descobertas de estudos desacreditados.

O relatório afirma que "as crianças católicas jovens e vulneráveis, especialmente os meninos, estavam em perigo e em risco na presença de sacerdotes masculinos e religiosos do sexo masculino, psicologicamente e sexualmente imaturos, sexualmente depravados e frustrados, particularmente aqueles que não tinham resolvido satisfatoriamente as suas próprias questões de identidade sexual".

"Isto foi especialmente assim, sobre tudo no caso de sacerdotes e religiosos confusos e em negação da sua orientação homossexual enquanto se formavam e operavam em um ambiente eclesial profundamente homofóbico", afirmou o relatório.

Courtin, por outro lado, apontou que a evidência era "absolutamente clara", que os crimes sexuais envolvendo crianças e pedofilia "não têm nada a ver com a homossexualidade".

"E a homossexualidade é uma das razões ou desculpas que a igreja usou há muito tempo e está errado, é impróprio e impreciso", disse ela. "A pedofilia não equivale à homossexualidade".

Courtin também estava preocupado com alguns dos descobrimentos relatados que pareciam implicar que os pais dos pedófilos eram parcialmente culpados, com o relatório dizendo que as mães de pedófilos às vezes estavam "abafando, talvez cobrindo sua própria infelicidade por meio de seu filho cujo sacerdócio aumentaria o status social de si mesma e da sua família".

Na quarta-feira, surgiram relatórios em que o governo australiano recomenda um esquema de reparação de abuso infantil determinando que os sobreviventes de abuso recebam uma compensação na metade do valor recomendado pela comissão real.

O australiano informou que o projeto de lei descreve pagamentos de compensação entre 5.000 e 150.000 dólares americanos para sobreviventes. A comissão real fixou um valor preliminar de 4 bilhões de dólares americanos para a reparação e disse que a comunidade de países o Commonwealth deveria ser responsável por cerca de 10% das reclamações de reparação, com o restante a ser contribuído pelos governos e instituições estaduais e territoriais.


The Guardian - Tradução Ramón Lara

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