sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O homem da mala

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Resta-nos a risada, a ironia, tamanha a agressão representada pelas malas estufadas do Geddel.
Disseram que depois do Geddel já estão chamando a mala do Rocha Loures de nécessaire.
Disseram que depois do Geddel já estão chamando a mala do Rocha Loures de nécessaire. (Policia Federal)
Por Fernando Fabbrini*

Total: cinquenta e tantos milhões e uns quebradinhos. O país prossegue atônito com o volume de dinheiro apreendido no apartamento-cofre do Geddel. Um recorde nacional, mais um vergonhoso recorde nacional. Inevitavelmente, rolaram piadinhas pela rede e whatsapp.

Disseram que depois do Geddel já estão chamando a mala do Rocha Loures de nécessaire. Noutra imagem aparece uma mala velha com uma nota de dois reais igualmente gasta, e a legenda: “a PF também invadiu meu apê e achou minha fortuna”. Mais uma só: aparece o rosto do ex-ministro do governo Lula e amigo de Temer, lágrimas nos olhos. Legenda: “Agradeço a PF por ter encontrado meu dinheiro, não sabia onde tinha guardado”.

Resta-nos a risada, a ironia, tamanha a agressão representada pelas malas estufadas do Geddel. É uma afronta jamais exibida até então aos flashes das câmeras. Dinheiro maldito, fruto de suborno; dinheiro que faltou nos hospitais, nas escolas, nas incontáveis carências da população brasileira.

Coleciono informalmente algumas histórias – verídicas – dessa relação doentia entre corruptos e as malas cheias de dinheiro. São casos que chegaram aos meus ouvidos contados por colegas de profissão, clientes ou jornalistas. Segue a primeira:

Certo publicitário, afinado com o hábito que assombra a atividade, passou grande parte de sua vida recebendo e intermediando propinas e dinheiro sujo disfarçado de “gastos de campanha política”. Naturalmente, recebia seu quinhão. E o que fazia com ele? Pasmem: contam que o referido chegava ao hotel com a mala preta repleta de dólares. Sim, ele tinha uma preferência especial pelas verdinhas americanas. Subia ao quarto, tomava um banho demorado e abria uma garrafa de uísque. Em seguida, dispunha cuidadosamente as notas de dólares sobre a cama, o tapete, o criado mudo – enfim, espalhava tudo pela suíte, uma cédula ao lado da outra. E ficava ali assentado no sofá, contemplando o dinheiro e bebendo uísque, até enxugar a garrafa inteira e adormecer, chapado, entre as notas. Trata-se de uma nova vertente estranha de voyeurismo, à espera de um estudo psicanalítico profundo.

Outro caso, desta vez envolvendo o corrupto, um famoso político. Cauteloso e escolado, esperto e previdente, o homem exigia que todas as tratativas relativas à sua propina fossem realizadas longe do gabinete, numa fazenda cinematográfica que possuía nas redondezas. À chegada do interessado no negócio espúrio – um empreiteiro, por exemplo – o político convidava-o para um banho de piscina, fizesse sol, chuva ou frio. Desculpas não tinham vez: no vestiário, shorts e bermudas de todas as medidas, cores e modelos ficavam à disposição do recém-chegado. Assim, em trajes de banho, entravam ambos na piscina e, dentro d’água, sem possíveis gravadores de voz ou testemunhas, negociavam cara a cara o acordo - com segurança total.

A terceira história passou-se na sala de espera de um outro político igualmente safado. O homem tinha nas mãos a caneta e o poder para liberar contratos com grandes e pequenos fornecedores. E cobrava por isso, claro. Pois aguardavam na antessala dois representantes de duas empresas, cada qual com seus respectivos maços de dinheiro para pagamento da taxa estipulada. Um deles carregava a grana numa bela mala de couro, novinha em folha. O outro segurava uma sacola de plástico de supermercado, amarrada de qualquer jeito. E foi este quem puxou conversa:

- Veio trazer também a parte do homem, né?

O da mala, todo chique e engravatado, não escondeu suas intenções:

- Pois é, todo mês é essa vergonha. E se a gente não entra no esquema, bau-bau, fica de fora das obras...

O da sacola de supermercado olhou a mala preta, admirou-se:

- Não me leve a mal, mas... É a primeira vez que você vem aqui, né?

- Sim... Como é que adivinhou?

O outro riu:

- Ah! É porque no início a gente também trazia a grana numa mala bonita igual a esta. Mas ele, interesseiro como é, nem devolvia a mala, ficava com tudo. Agora a gente traz nessas sacolas de supermercado mesmo...

*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO

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