sábado, 28 de outubro de 2017

Alterações na Lei Maria da Penha

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De uma maneira geral, o Projeto aumenta o papel da polícia nas situações de violência contra a mulher.
A principal alteração proposta envolve a possibilidade de o Delegado aplicar, até decisão judicial, algumas das medidas protetivas de urgência.
A principal alteração proposta envolve a possibilidade de o Delegado aplicar, até decisão judicial, algumas das medidas protetivas de urgência. (Reprodução)
Por Michel Wencland Reiss*

Na última semana, foi aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara n. 7, de 2016, que propõe acréscimos na Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2017). O texto se encontra na Presidência da República para ser ou não sancionado.

De uma maneira geral, o Projeto aumenta o papel da polícia nas situações de violência contra a mulher. Em síntese, as principais alterações propostas são as seguintes:

Primeiramente, o texto coloca como direito da mulher vítima da violência atendimento policial e pericial especializado e ininterrupto. Outro aspecto interessante está na previsão para que se evite “a revitimização da depoente, com sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada”. Afinal, é rotina nos meios criminais várias intimações para inquirição sobre a mesma situação.

Também há propostas que fogem por completo da realidade brasileira. O exemplo mais emblemático está no proposta que prevê que a inquirição da vítima “será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da vítima ou testemunha, ao tipo e à gravidade da violência sofrida”. Ora, o sucateamento da polícia no Brasil, especialmente da Polícia Civil, é um realidade brasileira. Afinal, não rende votos investir num trabalho investigativo. Aplicar altos valores em obras vultuosas é muito mais interessante do ponto de vista eleitoral. Obviamente que o ideal realmente seria destinar orçamento para a melhor estruturação das polícias, o que contribuiria substancialmente no combate da criminalidade.

Entretanto, a principal alteração proposta envolve a possibilidade de o Delegado de Polícia aplicar provisoriamente, até decisão judicial, algumas das medidas protetivas de urgência previstas na Lei.

Acerca de tal questão, há duas ponderações a serem feitas. A primeira envolve a constitucionalidade acerca da medida. Há quem diga que estaria violada a garantia de jurisdição, já que apenas Juiz poderia determinar aquelas restrições a direitos. Uma vez sancionada, tal discussão certamente chegará aos tribunais.

Já a segunda ponderação não é puramente jurídica, mas envolve as políticas públicas de combate à criminalidade. Via de regra o procedimento é remetido da Delegacia para o Judiciário em curto espaço de tempo, e rapidamente é proferida decisão acerca das medidas protetivas. Por outro lado, após proferida a decisão, o sistema penal não fiscaliza o cumprimento das medidas. Aqui está o ponto de preocupação: a eficácia da decisão que impôs as medidas, e não quem decidirá.

Concluindo, tem-se que a grande questão envolvendo a proteção da mulher vítima de violência doméstica ou familiar não está em alterações legislativas. Afinal, a Lei Maria da Penha já cumpre seu papel de legitimar a atuação do Estado. O problema está em estruturar os agentes do sistema penal para que protejam de forma eficaz as vítimas, e consigam viabilizar a punições dos agressores de forma célere. E esse problema independe da criação de novas leis. É precisa parar com esta cultura brasileira de pensar que a criação de mais e mais leis penais contribuirá para a diminuição da criminalidade. A incriminação de condutas é apenas uma das várias medidas a serem tomadas pelo Poder Público.

Por fim, ainda acerca da cultura de criação de leis, cabe a lição, sempre atual, do saudoso Professor Jair Leonardo Lopes:

“... impõe-se constante atualização dos textos em um país onde se pretende, a cada novo assalto, extorsão mediante sequestro, massacre de pessoas, estupro ou ação de traficante, aplacar a reação popular contra tal violência mediante a promulgação de leis e mais leis penais ou agravação das penas existentes, como se ainda não houvesse lei para todos punir ou fosse a severidade das leis forma eficaz de conter a criminalidade”.

“Sem dúvida, tal ‘política’ diversionista, para os que a vêm adotando, é muito mais cômoda do que enfrentar as verdadeiras causas da criminalidade violenta. Dentre elas, por exemplo, a presença de centenas de menores, em total abandono pelas ruas das cidades, muitos dos quais, como é de esperar-se, serão os futuros autores de outros tantos crimes como os acima mencionados. Tais menores, deixados pelo Estado às suas próprias sortes, não têm motivação para respeitar as regras de conduta que lhes sejam impostas”.

*Michel Wencland Reiss é mestre em Ciências Penais pela UFMG. Doutor em Direito pela PUC-Rio/ESDHC. Ex-Presidente da Comissão de Exame de Ordem da OAB/MG. Ex-Conselheiro Titular do Conselho Penitenciário de Minas Gerais. Membro fundador e Conselheiro Instituto de Ciências Penais – ICP. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado.

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