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Ninguém pode furtar a tarefa da comunidade cristã de iniciar na fé, e nem esta pode delegar sua missão a outrem, terceirizando-a.
Delegar ao Estado o dever de ensinar e divulgar a fé é depor contra a própria missão e fé, é assumir o preconceito que afirma que "a maioria ganha". (Divulgação/ Pixabay)
Por Tânia da Silva Mayer*
Fundamenta o fazer teológico, dar razão da própria esperança a todo aquele que pedir (cf. 1Pd 3,15). Assertar e testemunhar o que esperamos é, nesse sentido, dever de todo cristão e cristã. Aliás, trata-se de um dever que movimenta toda a existência. Não significando, apenas, explicar inteligivelmente, mas aderir com o coração e com as ações aquilo que dá sentido a nossa vida.
É missão da comunidade cristã transmitir a esperança e a fé em Jesus Cristo, razão pela qual nos congregamos - ou deveríamos nos congregar -, formamos um povo diverso e plural e iniciamos entre nós - e a nós mesmos - os que desejam abraçar a fé. A comunidade cristã é a guardiã da fé em Jesus Cristo. Dela faz memória, transmitindo-a de geração em geração. Tarefa bonita e difícil é ser fiel ao seu específico: tornar Jesus conhecido e amado, ajudar outros a se encantarem pela palavra do Mestre e tornarem-se disponíveis para entregar a própria vida pela vida dos que sofrem mais.
Esse caminho de encontro e conhecimento de Jesus Cristo acontece, primordialmente, na comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus. Nela se pode ouvir e ver o testemunho que os irmãos e irmãs dão - ou deveriam dar - no processo de amadurecimento da fé. Por isso, é na comunidade que somos instruídos e iniciados para o Mistério, razão de nossa esperança. Por meio da catequese - também da liturgia - aprendemos e nos desenvolvemos como ouvintes atentos e missionários corajosos, empenhados pela edificação do Reino de paz e justa justiça. Ninguém pode furtar a tarefa da comunidade cristã de iniciar na fé, e nem esta pode delegar sua missão a outrem, terceirizando-a. Uma vez recebida do próprio Senhor, a comunidade deve se empenhar para realizá-la.
Causa espanto - ou deveria causar - a decisão do Supremo Tribunal Federal na última semana, de tornar o ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras, isto é, criar um espaço para se ensinar religião na escola. Trata-se de delegar à escola – tão bombardeada e desassistida - a tarefa de iniciar na religião - no objeto de crença, ritos, símbolos, livros sagrados, etc. - alunos e alunas com diferentes orientações, crenças e posturas religiosas. Com que espírito de porco coisa assim pode ser aprovada, à custa do árduo empenho pela laicidade do Estado, das suas estruturas e seus serviços? Tal decisão só revela a que nível de golpe na Democracia nós chegamos. São tempos sombrios e de insensatez.
As religiões sérias, isto é, as que normalmente sabem separar os alhos dos bugalhos deveriam se organizar, para ensinar aos juízes – que deveriam zelar pela Democracia plena -, estes que não são padres, pastores, catequistas e, muito menos, teólogos, que às religiões compete a tarefa de ensinar e divulgar a fé. Delegar ao Estado esse dever é depor contra a própria missão e fé, é assumir o preconceito que afirma que "a maioria ganha". Regra que não deve ser usada quando o que está em jogo é a esperança e o sentido existencial das pessoas. Por isso, lutar pela laicidade do Estado e da escola é salvaguardar o espírito democrático e o livre exercício religioso. Espero que as igrejas cristãs, de homens e mulheres de boa vontade, unam forças para denunciar o que atenta contra o povo brasileiro e não permitir que nossa tarefa de transmitir a fé em Jesus seja realizada por outros, em ambiente que não é a comunidade cristã. O lugar da catequese é a Igreja, não a escola.
*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.
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