segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Que falta uma Judite nos faz!

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Historicamente, o Brasil foi construído sobre o trágico fundamento da desigualdade.
Desgovernados pelo que há de pior no país, os empobrecidos e empobrecidas são entregues à própria sorte.
Desgovernados pelo que há de pior no país, os empobrecidos e empobrecidas são entregues à própria sorte. (Divulgação)
Por Felipe Magalhães Francisco*

São tempos de verdadeira opressão, estes nos quais temos vivido em nosso país. Historicamente, o Brasil foi construído sobre o trágico fundamento da desigualdade: privilégios para uns poucos; opressão e injustiça para uma massa de danados, condenados à pobreza e ao sofrimento. De tempos em tempos, essa catastrófica realidade se acentua. É o que estamos vivendo no atual momento em que enfrentamos. Desgovernados pelo que há de pior no país, os empobrecidos e empobrecidas são entregues à própria sorte – o que significa condenação ao azar de uma vida injustiçada e oprimida.

A desfaçatez não tem limites. Os que ocupam os poderes da República, em suas três esferas, nem disfarçam mais sua inclinação à perpetuação de um sistema injusto e cruel. Roubam às claras. Negociam as injustiças à luz do dia. Salvam-se a si mesmos, culiados num abraço que manifesta a solidariedade dos bandidos. São hipócritas: vociferam moralismos, mais das vezes religiosos, enquanto rebaixam a nação a uma realidade miserável, em todos os seus sentidos. Que falta uma Judite nos faz!

Nós, o povo brasileiro, os cidadãos comuns que não participamos dos banquetes dos poderosos, estamos entregues, passíveis, ao gosto dos dominadores. Estamos pior que aquela situação à qual se encontrava o povo judeu, na ocasião do imperialismo assírio, tal como a narrativa do livro bíblico de Judite nos diz. Um sentimento de impotência absoluta nos tomou: lavamos as mãos, acomodados, esperando que as coisas se resolvam. Não resistimos ao poder da morte! O deixa como está para ver como é que fica tem nos levado à ruína: de volta ao mapa da fome; relações trabalhistas cada vez mais propícias aos patrões; negação dos direitos das minorias oprimidas; recursos e riquezas naturais entregues aos poderes estrangeiros; banalização do trabalho escravo...

Judite é uma personagem inspiradora. Consciente de seu lugar na história, não cede à dominação. Chacoalha os seus concidadãos, convidando-os à memória da própria história de luta e de resistência. Não se rende ao conformismo que paralisa. Com astúcia, intervém de modo transformador no destino do seu povo, que, ao que parece, só promete tragédias e opressões. Sabedoria de si, usa de sua astúcia para revidar às forças da opressão. Com coragem, corta a cabeça do representante de tudo aquilo que significa injustiça, opressão e morte. Que falta uma Judite nos faz!

A narrativa do livro de Judite é um convite à resistência. Nós, brasileiros e brasileiras, precisamos reagir! Não é possível aceitarmos calados e passivos tantas desgraças a nos assolarem. Nós temos uma história de sofrimento, sim, mas também de criatividade e de superação. Tal como Judite, é preciso cortar a cabeça do opressor! Não significa, aqui, agir com violência, mas, em seu valor ricamente simbólico, tirar a capitania daqueles que abusam do poder para manter os próprios privilégios e violentar, das mais variadas e cruéis formas, o povo do qual somos parte. É preciso ocupar os lugares legítimos que nos cabem, na construção de um país justo, igualitário e digno para todos e todas. Cortar a cabeça do opressor significa não nos deixar ser controlados por aqueles que nos fazem e causam o mal. É nos assumirmos protagonistas do nosso destino, na feitura de um país que queremos e que merecemos. Que nos falta, para sermos nós, mesmos, a própria Judite de nossa história?

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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