quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Como os anormais de "Stranger Things" deixam o transcendente tornar-se real

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Personagens da série 'Stranger Things'
Personagens da série 'Stranger Things'
Personagens da série 'Stranger Things' (Divulgação)
Por Nick Ripatrazone

"Alguma coisa está acontecendo. Algo com fome de sangue". As palavras são faladas por Mike Wheeler, o Dungeon Master, com suficiente paixão como para fazê-las realidade. É 1983, em um porão de um bairro da periferia em Indiana, Estados Unidos. Quatro amigos estiveram sentados ao redor de uma mesa de cartas, jogando Dungeons & Dragons por 10 horas. Atrás deles, pendurado na parede com painéis de madeira, está um cartaz do filme de John Carpenter "The Thing". As crianças não sabem o quanto suas vidas em breve mudarão.

Todavia, sendo elas crianças, podem imaginá-lo e muito mais. A primeira temporada de "Stranger Things" foi impulsionada pela imaginação e a maravilha e a segunda temporada não é diferente. Embora dois personagens essenciais, o chefe de policia Jim Hopper e Joyce Byers, sejam adultos, a série é protagonizada por esses quatro jovens amigos e a misteriosa Eleven, uma menina que sobreviveu aos experimentos da C.I.A. e emergiu com poderes telecinéticos radicais.

A segunda temporada do show chega com uma onda de bons comentários todos eles bem merecidos, e os fãs serão tratados com mais diversão do que na primeira temporada. É 1984 e há armários com fitas de V.H.S. ao lado de jogos de tabuleiro e fotos de câmeras polaroids emolduradas em todo lugar. "The Terminator" está nos cinemas. Radio Shack está indo bem e no ar. Os alunos do ensino médio se reúnem para jogar com as maquininhas de jogos arcade. Eles andam de bicicleta sob a luz da lua, atravessando trilhas arborizadas enquanto pedalam para um mundo de mistério.

"Stranger Things" usa a nostalgia para aumentar a complacência. Os conhecidos locais de cultura popular do show geralmente o tornam mais confortável de assistir, especialmente para aqueles que viveram na década de 1980. Mas sabemos que é um mundo incrivelmente desconfortável para seus personagens.

Will Byers, um dos amigos que foram sequestrados e quase morto na primeira temporada, ainda está sentindo os efeitos nesta sequela. Will conseguiu sobreviver a sua estadia traumática no Upside Down, um universo alternativo às vezes paralelo, às vezes cruzado. O show está embaçado nas especificidades, mas a maleabilidade é boa para a ficção científica.

A doença e as visões de Will sugerem que seu sofrimento não acabou. Sua mãe, Joyce, papel protagonizado novamente à perfeição por Winona Ryder, ainda é um naufrágio nervoso. Na primeira temporada, sua fé audaciosa no retorno de seu filho sequestrado iluminou sua vida - literalmente, enquanto enfiava uma ladainha de luzes de Natal em sua casa, convencida de que Will as usaria para se comunicar com ela do Upside Down. Agora, há um pouco de otimismo em sua vida. Ela tem um novo namorado, interpretado por outro recuo dos anos 80, Sean Astin (o asmático Mike Walsh em "The Goonies"), mas ela ainda é superprotetora com o Will. Ele é frágil e sempre parece estar olhando para a distância, com sua mente viajando e o seu corpo permanentemente desconectado.

Muitas das coisas de "Stranger Things" ocorrem em ambientes prosaicos: porões, quartos, corredores, escolas de ensino médio, lojas, bibliotecas. Os elementos sobrenaturais do show são mantidos em segredo nesses locais mundanos. Aqueles que sobreviveram à primeira temporada são jurados ao silêncio pelas mesmas misteriosas agências governamentais cujos experimentos cultivaram o poder de Eleven e abriram o portão para a outra dimensão infernal. Os personagens estão tentando voltar para suas vidas típicas, mas como Joyce adverte ao seu novo namorado, "Esta não é uma família normal".

Os primeiros episódios desta nova temporada são um pouco lentos, mas essa pode ser uma comparação injusta com o ritmo ilimitado da temporada de estreia. Quando a história começa a aparecer, ela atinge um tom de febre e nunca para. Um pedaço de abóbora infectado e dessecado leva aos piores medos de todos: o mundo violento e demoníaco que todos esperavam que Eleven tivesse vencido no final da temporada passada voltou. Uma vez que o show permite o seu elenco importante (há apenas uma personagem tímida em uma dúzia de caracteres notáveis) para ir em várias direções, a narrativa escalonada permite um verdadeiro suspense à medida que a temporada se desenvolve. E alguns retornos improváveis produzem novas energias uma vez que a estação atinge o meio caminho.

O chefe Hopper, interpretado com força e profunda agudeza por David Harbour, continua a ser um guia constante. Hopper está totalmente fora de seu elemento tentando lidar com essas criaturas do outro mundo e de alguma forma ele é precisamente a pessoa para ajudar a salvar a cidade. Ainda marcado pela morte de sua própria filha, ele parece absolutamente determinado a avançar. "Stranger Things" nos faz sentir dessa maneira sobre todos os seus personagens. Dustin Henderson, muitas vezes divertido e sempre malvado, aprende a maneira difícil de não manter segredos com os bons amigos. Com as decisões ruins, ele ensina em cada cena em que ele aparece. Neste mundo, os que não são tomados em conta podem ganhar, aliás, “pode dar zebra”.

Uma palavra melhor para descrever essa multidão, no entanto, pode ser: anormais. A proposta não deixa de envolver-nos aos personagens. Jonathan Byers, o irmão mais velho e querido do Will, cujo interesse pela irmã de Mike, Nancy, continua nesta temporada, diz que ele e Will devem se orgulhar de serem anormais, esquisitos e estranhos. Nancy também se sente bem com seu status de esquisita como uma menina popular transformada em caçadora de monstros, seus pais inconscientes são personagens suburbanos, mas por uma boa razão. No mundo de "Stranger Things" o selvagem e impossível existem juntos com o lugar comum. Todos nós amamos esse período em nossas vidas quando permitimos que o transcendente se torne real. Tudo o que é necessário para ver outro mundo é uma mente aberta e uma viagem ao porão.

America The Jesuit Review. Tradução: Rámon Lara

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