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Em meio ao clima de animosidade, senadores mudam texto e agora o projeto defendido por donos de táxis terá que ser rediscutido por deputados antes de valer.
Queríamos que o assunto fosse encerrado agora porque ano que vem é ano eleitoral, afirmou o diretor do Sindicato dos Taxistas Autônomos de SP. (Marcello Casal Jr/ABr)
Por Afonso Benites
O diretor de comunicação do Uber, Fábio Sabba, concedia uma entrevista ao EL PAÍS num dos corredores do Senado em Brasília quando foi surpreendido por um tapa no rosto. “Isso é porque o Uber está destruindo a vida dos taxistas”, gritou o agressor. O tapa foi tão forte que Sabba se desequilibrou. O agressor fugiu e não foi detido. A cena nessa terça-feira foi emblemática do clima de animosidade que voltou a tomar conta da Praça dos Três Poderes, em Brasília, em novo round da disputa entre taxistas e representantes de Uber, Cabify e 99Pop em torno de uma lei que pretende regular os aplicativos de transporte. Se do lado de fora do Congresso os dois grupos tiveram de ser contidos pela Polícia Militar, que usou spray de pimenta para apartar os manifestantes em atos que reuniram cerca de 3.000 pessoas, no lado de dentro quem comemorou a vitória na queda de braço legal foram os "uberistas".
Por 46 votos a 10, os senadores alteraram três pontos do texto que chegou da Câmara dos Deputados e tinham sido elaboradas a pedido de sindicatos e cooperativas de táxis. Foram elas: 1) os carros usados por motoristas de aplicativos não precisarão usar uma placa vermelha, que é a que identifica carros de aluguel e em cidades como São Paulo custam atém 60.000 reais; 2) o condutor do veículo não precisará ser o dono dele. Ou seja, o motorista pode dirigir veículos alugados ou de outras pessoas; e 3) às prefeituras só caberá a fiscalização dos motoristas, não mais a autorização para que ele trabalhe na cidade. Assim, cada aplicativo terá de informar ao Executivo Municipal quem são os motoristas cadastrados e eles estarão sujeitos à essa fiscalização. Por causa das mudanças, a Câmara precisa votar novamente o projeto, antes de ele seguir para a sanção presidencial.
Segundo dados das assessorias dos aplicativos, cerca de 500.000 motoristas são cadastrados nessas empresas e há 17 milhões de usuários no Brasil. “Queríamos que o assunto fosse encerrado agora porque ano que vem é ano eleitoral. Dificilmente vamos avançar neste tema”, afirmou o diretor do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, Wagner Caetano. Na prática, as mudanças na lei tratam da exigência da contratação de seguro contra acidentes pessoais a passageiros, à obrigatoriedade do pagamento de tributos e manter os documentos dos veículos em dia.
Histórico de agressões e lobby
Desde que a Uber chegou ao Brasil, em 2014, vários casos de agressões por taxistas foram registrados, mas nos últimos tempos eles começaram a minguar. O que elevou a temperatura e acabou resultando no confronto foi a votação desse projeto de lei (PLC 28/2017). Nem mesmo os senadores conseguiram chegar a um entendimento sobre o teor da proposta.
A votação ocorreu após um intenso lobby das duas partes. Há três semanas, taxistas circulam pela Esplanada dos Ministérios com placas e faixas favoráveis à aprovação do projeto. Por outro lado, os aplicativos fizeram uma intensa movimentação nas redes sociais, coletaram 825.000 assinaturas em um abaixo assinado e gastaram cerca de milhões de reais em propagandas em emissora de TV para defender o seu interesse. Alegavam que, se aprovada a lei como veio da Câmara, seria o fim dos aplicativos de transporte privado. A chamaram de lei do retrocesso. “Seria um retrocesso porque a lei, da forma como veio da Câmara, tenta criar regras que fecham o mercado”, afirmou o diretor de comunicação da Uber, Fábio Sabba. “Do jeito que foi aprovada pelos deputados, a lei é uma proibição, não uma regulamentação”, disse a diretora jurídica e de relações governamentais da Cabify, Juliana Minorello.
O tête-à-tête com a classe política contou com o reforço do presidente Global da Uber, o iraniano Dara Khosrowshahi. Ele esteve reunido com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com quem discutiu o projeto. Meirelles sempre defendeu a livre concorrência do mercado e a manutenção do funcionamento dos aplicativos. Ao sair do encontro foi questionado por repórteres se a Uber deixaria o Brasil. Sua resposta foi simples: “Depende do governo”.
Após a votação, tanto a Uber quanto a Cabify emitiram notas à imprensa nas quais disseram que, ao propor as mudanças, o Senado se demonstrou sensível à população. A reportagem questionou tanto a Uber quanto a Cabify em quanto aumentaria o gasto dos motoristas para tentar saber se, de fato, as mudanças na regulamentação inviabilizariam os trabalhos. Nenhuma das duas empresas soube informar qual era esse cálculo.
El País, 01-11-2017.
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