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Jesus, ao ser ressuscitado dos mortos por Deus, fez com que a gratuidade ressurgisse no coração de seus discípulos.
O critério de autenticidade do Cristianismo está diretamente ligado ao nível de profundidade da experiência da gratuidade do amor de Deus. (Reprodução/ Pixabay)
Por Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães*
Muita gente não sabe, mas o Cristianismo surgiu de um pequenino movimento religioso judaico nascido na região da Galileia. Movimento iniciado pelo galileu Jesus de Nazaré, após a prisão do profeta João, o batista. Após a morte brutal de Jesus na cruz, aos poucos e misteriosamente o movimento foi crescendo a partir do trabalho missionário dos seguidores do crucificado de anunciar-testemunhar a gratuidade do amor de Deus por nós.
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João anunciava um batismo de conversão diante da iminência da chegada do Reino dos Céus, quando Deus iria fazer um juízo cheio de ira por causa dos pecados da humanidade. Diante dessa terrível ameaça, era necessário imediato arrependimento para a remissão dos pecados e a concretização de uma vida nova centrada na penitência, na partilha dos bens, na coerência de vida ética e na prática da justiça. Jesus ficou muito impressionado com o anúncio profético de João e deixou-se batizar por ele. O batismo aprofundou sua experiência de Deus e despertou sua vocação-missão de anunciar-testemunhar o Reino.
Diante da prisão de João, Jesus começou a anunciar-testemunhar, na Galileia, a chegada do Reino de Deus. E o fez de maneira muito diferente da do profeta do deserto. Para Jesus, a chegada do Reino não era uma terrível ameaça, mas, ao contrário, uma boa notícia: Deus é amor misericordioso e a chegada de seu Reino se traduz como oferta gratuita de perdão aos pecadores. Por onde Jesus passava, seus ensinamentos e práticas proféticas libertavam as pessoas para uma vida nova. Isso dava a ele autoridade e suscitava fascínio em muitos. Jesus provocava grande alegria e entusiasmo nos pobres com a experiência da proximidade amorosa de Deus.
Alguns decidiram segui-lo e participar ativamente de sua missão de anunciar-testemunhar o Reino de Deus presente na história. Quanto mais compartilhavam o caminho com Jesus, mais seus discípulos experimentavam a gratuidade do amor de Deus como um fermento que transformava a vida da pessoa, despertando nela o desejo de viver pautado pela centralidade do amor, da misericórdia, do direito e da justiça. Ora, tais frutos confirmavam que o que estava acontecendo era um autêntico caminho de salvação. Salvação entendida claramente como a experiência de ser amado infinita e gratuitamente por Deus e de tal maneira que, aquele que fazia esta experiência de modo profundo em seu coração, deixava-se transformar interiormente, passando também ele anunciar-testemunhar, de forma gratuita, esse amor para com os outros, tratando-os fraternalmente como filhos amados de Deus.
O movimento religioso libertador da Galileia atraiu muitos fiéis. Ficaram conhecidos como seguidores do Caminho. Atraiu também muitos conflitos, pois, o movimento passou a ser visto como uma ameaça ao status quo sociopolítico, econômico e religioso da Palestina, centrado, não na gratuidade amorosa mútua, mas na dominação dos poderosos, na exploração escrava dos trabalhadores e na força do medo gerado sobre os pobres e excluídos. Rapidamente prenderam o líder do movimento. Julgaram-no na calada da noite e o condenaram a uma morte brutal, executada como espetáculo exemplar para que tudo permanecesse tal e qual.
Acontece que a fidelidade gratuita e corajosamente profética de Jesus de Nazaré ao Reino até as últimas consequências impactou profundamente em seus discípulos. A força atroz dos poderosos, que faziam de tudo para manter seus privilégios, não resistiu à força contagiante da memória de Jesus e da gratuidade do amor de Deus que ele anunciava-testemunhava e, aos que se abriam, possibilitava experimentar. Jesus, ao ser ressuscitado dos mortos por Deus, fez com que a gratuidade ressurgisse no coração de seus discípulos. Libertos de todo medo, eles experimentaram a força do Espírito Santo. Transformados pela experiência da gratuidade do amor de Deus, eles acolheram o convite-chamado para a desafiante missão: dar continuidade à prática libertadora de anunciar-testemunhar a experiência de Jesus e com Jesus. Proclamaram, por onde foram, a gratuidade do amor misericordioso de Deus que salva e que nos transforma para o amar e servir.
Essa experiência de Jesus e com Jesus foi tão intensa que criou uma verdadeira mística capaz de manter vivo o entusiasmo em meio às dificuldades. Alicerçou-se assim a fé cristã, fé em Jesus como caminho de salvação. Uma experiência que encoraja para o enfrentamento dos desafios da caminhada pela força do anúncio-testemunho da gratuidade do amor de Deus revelado em Cristo Jesus. Os discípulos da primeira geração foram perseguidos como seu mestre. Foram expulsos das sinagogas, presos e assassinados. Mas antes disso, o anúncio-testemunho da gratuidade do amor de Deus suscitou outros discípulos e, desses, outros de geração a geração. O Cristianismo surgiu como tal após a expulsão dos “seguidores do caminho” do judaísmo. Primeiro constituiu-se às ocultas, por causa das grandes perseguições, depois, com grande visibilidade, a partir do século IV. Contar essa história foge aos estreitos limites desse artigo.
Mas podemos terminar, afirmando que o critério de autenticidade do Cristianismo, vivido em qualquer das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo, está diretamente ligado ao nível de profundidade da experiência da gratuidade do amor de Deus que liberta e desperta para a gratuidade do amor fraterno e da justiça entre nós.
*Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães é teólogo leigo. Doutorando em Ciências da Religião pela PUC Minas. Mestre em Teologia pela FAJE. Licenciado em Filosofia pela UFMG. Professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização. Assessor das Comunidades Eclesiais de Base CEBs. Membro do Conselho Pastoral Arquidiocesano CPA.
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