terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Celebrar o natal, que natal?

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O grande risco que corremos nesse período do ano é esvaziarmos todo e qualquer motivo de nossas celebrações.
O motivo que nos levava a celebrar mudou seu eixo: da encarnação para o cartão de crédito.
O motivo que nos levava a celebrar mudou seu eixo: da encarnação para
 o cartão de crédito.(Reprodução/ Pixabay)
Por Tânia da Silva Mayer*

Aproximam-se os festejos e celebrações de fim de ano. E mesmo diante das intempéries e infortúnios de nossas vidas, acabamos encontrando motivos para tornar esse momento mais importante que os demais vividos ao longo do ano. Por isso, um clima de reconciliação, solidariedade e alegria dá forma a uma atmosfera que anuncia que novas relações e uma nova maneira de viver são possíveis. No fundo, esse tempo em que o fim do calendário é eminente, torna-se, por esse motivo, renovador das forças, dos gestos e das linguagens, tornando-nos mais abertos ao próximo, ao ponto de desejarmos coisas boas uns aos outros, conhecidos ou desconhecidos, sem aquele esforço cínico que empreendemos muitas vezes ao longo do ano.

Apesar da dor, aprendemos a fazer festa. Festejar é algo que nos constitui e nos diferencia dos outros seres. Festejar é quando elegemos um momento e um acontecimento como mais importantes que outros. Fazemos festa quando temos um motivo, ordinário ou extraordinário, que interrompe o curso da vida, a fim de que dediquemos nossa atenção ao que “deve ser louvado”. O grande risco que corremos nesse período do ano é esvaziarmos todo e qualquer motivo de nossas celebrações. Isso pode ser provocado por um automatismo que indica que devemos festejar, mas não nos informa e recorda o motivo ou os motivos pelos quais estamos celebrando. Quando isso acontece, deixamos de fazer a festa para cumprir uma obrigação que não nos enche de alegria.

Nesse sentido, às portas das celebrações natalinas, os cristãos e as cristãs devemos nos provocar a respeito da razão fundamental da festa que nos propomos a fazer. Certamente, a resposta urgente que precisa ser dada se resume no fato central da fé que professamos: “A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (cf. Jo 1,14). É esse o motivo que nos leva a festejar e nos alegrar. Deus se uniu a nós em nossa humanidade, tornando-se um conosco, a fim de que nos tornássemos um com ele em sua glória. Para nós que cremos, não há acontecimento que possa substituir esse fato que celebramos ano a ano como o mais importante de nossas vidas. É esse motivo que precisa ser resgatado em nossas comunidades e que deve ser cuidado muito além do tempo que dedicamos às luzes natalinas, às bolas coloridas, às trocas de presentes, às reuniões para confraternização, etc. Obviamente, tudo isso tem seu lugar, mas o mais importante e que é o motivo que dá sentido a nossas vidas deve ocupar a primazia de nosso sincero desejo de fazer a festa natalina.

Estamos inseridos numa sociedade consumista. Ao mesmo tempo em que ajudamos a construí-la, também nos deixamos afetar por ela. Há tempo que o natal cristão perdeu seu espaço para o natal do consumo. E o motivo que nos levava a celebrar mudou seu eixo: da encarnação para o cartão de crédito. Ilusoriamente acreditamos que o muito que gastamos e esperdiçamos com comidas, roupas e presentes caros nos trará a força que nos moverá para um reinício de nossas relações e vidas. Ledo engano. Através do cartão de crédito, por exemplo, o consumo proporciona uma falsa sensação de bem-estar e alegria. Endividamo-nos, gastamos para ostentar o que não temos condições de possuir, mas logo viramos a folhinha do calendário e experimentamos a terrível depressão pós-festa: infelizes, não preenchidos de sentido e endividados. Esse sentimento se dá por pelo menos dois motivos: não ter claro o fato a ser festejado e a razão deste fato estar associado ao que não pode nos oferecer verdadeira alegria, o consumo.

Por isso, são felizes as narrativas bíblicas que nos recordam que o nascimento de Jesus Cristo rompe com qualquer lógica de poder presente no mundo. De fato, os poderosos do mundo não são capazes de compreender o mistério que festejamos na noite santa do Natal.  Desprovido de bens e outros recursos, despojado de panos e roupas finas, despejado de um teto e acolhido entre os diferentes que o mundo desconsidera, Deus se torna humano, para nos ensinar uma lógica sua que é o amor. Ele nos ensina que não é preciso muito para fazer a festa da alegria que inclui e promove. Que nossos festejos e celebrações natalinas sejam motivados pelo acontecimento único que muda para sempre a história de nossas vidas, e que nossas vidas sejam transformadas por relações de justiça e paz.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.

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