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Indignada, a sociedade da exposição, dos likes e compartilhamentos nada faz para combater os anticristos.
É preciso aceitar menos. Diminuir os likes e compartilhamentos para interrogar mais. (Reprodução/ Pixabay)
Por Élio Gasda*
Nunca como hoje o mundo ou todo mundo esteve tão exposto ou expondo-se. Você acorda e não dá bom dia a quem está próximo, dá bom dia ao mundo. Sim! E logo exibe suas fotos, seus pensamentos, suas ideologias. Abre as cortinas da vida e revela-se, expõe até seus segredos mais íntimos. Na rede, o “cidadão” sente-se livre, sem identidade alguma e até adota o anonimato. Será? Isso é transparência, realidade ou um jogo de cena? Na verdade, estão todos vivendo de aparências, mascarados, escondidos de si próprios. São todos anônimos, vivendo na escuridão como Lúcifer! “Lúcifer está nos infernos, mas finge ser portador de claridade. A nossa época é atravessada pelo espírito do anti-Cristo” (Massimo Cacciari).
As redes “sociais” transformaram-se no mundo do faz-de-conta e revelam uma “sociedade do desejo e de ostentação” (Lipovetsky). Uma sociedade sem a capacidade de reflexão. Que não enxerga o seu próximo. Sociedade da solidão, da indiferença. A essência humana está dominada pela tecnologia. A consequência é a violação de si mesmo e o rompimento com o outro. O fim das responsabilidades com o bem comum.
O número de pessoas subalimentadas no mundo alcançou os 815 milhões (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO). A maioria (489 milhões) vive em zonas de conflito. Quase 122 milhões de crianças menores de cinco anos, com atrasos de crescimento (75% delas), estão em países em situação de conflito. E você se importa? No Brasil, estima-se que sete milhões de pessoas passam fome (IBGE). Estudos recentes apontam que fatores como o aumento da pobreza, o corte do Bolsa Família e congelamento dos gastos públicos por 20 anos, podem recolocar o Brasil no mapa da fome. Você pensa em algo para ajudar a mudar essa trajetória?
Meio ambiente em transformação: poluição atmosférica e dos oceanos; extinção de espécies e degradação do solo; desmatamento e superpopulação. O descaso! Mariana (MG) viveu o maior desastre ecológico já registrado no Brasil. 19 mortes! Três distritos destruídos! Uma tragédia anunciada que mudou o curso da vida de mais de 90 mil pessoas. Seres humanos descartados por políticos corruptos. Todos indignados! Milhões de likes e compartilhamentos que já caíram no esquecimento. A Samarco vai voltar a operar!
O preconceito mata! 72 países ainda criminalizam a homossexualidade. O dado é da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexuais. O Brasil garante alguma proteção e reconhecimento a essa população, mas, por aqui, a homofobia mata uma pessoa por dia. Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia foram 347 mortes só em 2016.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), 35% das mulheres no mundo já sofreu algum tipo de violência física e ou sexual em algum momento de sua vida. A metade foi morta! Foram, a maioria, assassinadas por seus parceiros (marido, namorado, noivo). E, no Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo. Dá um like aí!
Números assustadores?! Indignada, a sociedade da exposição, dos likes e compartilhamentos nada faz para combater os anticristos. Estão espalhados no mundo, travestidos de governo, de Estado, de empresa, de mídia, de religião. A violência física, de gênero, psicológica, armada, econômica entre muitos outros tipos veste Prada. A ameaça à existência dos pobres é real e tem o apoio das elites financeira, midiática, industrial. É preciso mais que compartilhar, que indignar-se virtualmente. É preciso ser autêntico, é preciso amar incondicionalmente. É preciso ser verdadeiramente ativista. Esse é o duro ofício de viver. “Não se sofre apenas morrendo” (Cacciari). A militância virtual não substitui a real.
É preciso aceitar menos. Diminuir os likes e compartilhamentos para interrogar mais. Adão aceita comer o fruto da árvore do conhecimento para satisfazer seu próprio desejo. E, como pergunta o filósofo italiano Massimo Cacciari, “qual é a maior liberdade: aquela que acorrenta você a si mesmo ou aquela que liberta você do amor próprio?”. E de uma forma belíssima o filósofo cita Maria como um contraponto a Adão. Ela é exemplo de quem “reflete, interroga-se, sofre. Depois, faz a vontade do outro. A sua liberdade é a de fazer um dom de si mesma. É como o seu filho: faz a vontade do Pai”.
Foram as perguntas e as respostas que encontrou, para aquilo que talvez considerasse impossível, que orientaram Maria. “Sem essa impossibilidade, nada nos impulsionaria a sair de nós mesmos, a reorientar de maneira diferente as nossas vidas”. E cada vez mais é preciso tentar o impossível “para libertar o nosso tempo das suas misérias. Quanto mais a nossa época nos encerra novamente dentro dela, mais são necessárias as grandes ideias, pensamentos-limite, palavras últimas. São as únicas coisas que podem nos erradicar do tempo em que vivemos” (Massimo Cacciai).
Não podemos banalizar Maria, ela não foi apenas obediente, mas uma “potência consciente”, e “torna-se obediente”, chegando “a querer a vontade divina”. Que Maria nos ensine a questionar ao invés de curtir. Que Maria seja nosso exemplo de querer e fazer a vontade divina, que seu ativismo seja o nosso verdadeiro exemplo de luta!
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