terça-feira, 30 de janeiro de 2018

De Rede Globo a Rede Golpe

domtotal.com
Quem do golpe nasce, ao golpe retorna - ou nunca o abandona.
Globo no Rio: palco recorrente para protestos e manifestações.
Globo no Rio: palco recorrente para protestos e manifestações. (Reprodução)
Por Alexis Parrot*

Todos nós já vimos celebridades e políticos escoltados por guarda-costas, para impedir que a imprensa se aproximasse com perguntas inconvenientes. Mas o contrário é moda nova; justamente o que a Globo pretende fazer durante o carnaval: blindar seus repórteres com cordões humanos de isolamento para impedir que o cidadão comum se manifeste durante as entradas ao vivo da programação.

É cada vez maior a recorrência de intervenções de populares nesse tipo de situação, sempre com palavras de ordem identificando a emissora do Jardim  Botânico como participante ativa do golpe parlamentar que derrubou a presidenta eleita Dilma Roussef.

E o líder da conspirador maior - como dizia Chacrinha, "o que foi para o trono" - acabou virando atração de programa de auditório no último final de semana pelas mãos habitualmente pouco ou nada criteriosas de Silvio Santos.

Por mais que Silvio seja um pragmático bajulador do poder (sem preconceito nenhum quanto à cor política do entronado da hora; para ele poder é poder e ponto final), não é contra o SBT que se levanta o clamor popular. E nem contra Record ou Band e muito menos contra a Rede TV! (Coitada da Rede TV!; dificilmente nos lembramos de sua existência.)

Só vemos manifestações e vigílias com faixas de protesto expostas em frente às unidades da Rede Globo. É certo que todas as emissoras tentam se aproveitar da situação política caótica do país, mas no imaginário do povo brasileiro, apenas a Globo é golpista. Já virou Rede Golpe - e dessa alcunha não se livrará nunca.

Mas se pararmos para pensar melhor sobre o assunto, tudo faz sentido. Quem do golpe nasce, ao golpe retorna - ou nunca o abandona.

É de pleno conhecimento que apenas com o apoio da ditadura militar implantada pós golpe de 64 ela conseguiu chegar onde chegou, líder de audiência e primeira rede televisiva de alcance nacional no Brasil. São de domínio público todos os artifícios usados por ela para desacreditar junto à opinião pública a ascensão de Lula na eleição de 89.

É descarada a superexposição que deu para as manifestações pró-impeachment de Dilma enquanto escondia os atos que defendiam a presidenta. É acintoso que nunca lhe cobrem os mais de 700 milhões de reais devidos em impostos. É criminoso como, historicamente, livra a cara de tucanos envolvidos em corrupção enquanto aponta exageradamente o dedo acusatório para o PT e movimentos sociais de esquerda.

Nada disso é novidade. Ideologicamente, sempre soubemos como a emissora da família Marinho se posiciona e também é ponto pacífico que sempre utilizou o jornalismo para defender seus interesses. Por melhor que fossem suas novelas, a maior ficção produzida pelo canal sempre foi o Jornal Nacional.

O que surpreende é a incompetência com que a Globo vem lidando com esse cenário de revés e até mesmo com seus próprios programas.

O primeiro grande lançamento do ano, o Big Brother Brasil, começou como refugo do ano passado, fingindo que uma família chegando primeiro na casa seria uma novidade. Dessa família dois foram excluídos e dois permaneceram - mas contam apenas como um participante. Já vimos isso na Fazenda em primeira mão, há anos atrás. E, sim, se o BBB se dispõe a plagiar a Fazenda, tem algo de muito errado aí.

O BBB, em sua décima oitava edição, já começa com cara de cansaço. Mas o esgotamento não é apenas do reality. É de toda a programação.

Até a campanha de final de ano, a já batida "hoje é um novo dia, de um novo tempo..." foi também um plágio. O vídeo original, de um grupo de mil entusiastas que pedia um show da banda Foo Fighters, foi copiado e reencenado exatamente da mesma maneira pela Globo. Após o malfeito descoberto, a emissora admitiu haver se "inspirado" na ação para executar a sua vinheta.

Ou a novela das sete no ar, a medíocre Deus Salve o Rei, o maior desacerto do ano (e olha que o ano mal começou) da TV brasileira.

Parecia infalível a ideia de convocar castelos, cavaleiros, reis e princesas para surfar na onda de sucesso de Game of Thrones. Esmerou-se na confecção de cenários e figurinos mas tudo deu em nada porque trabalharam a partir de meros estereótipos, sem criação nenhuma. A história é como outra qualquer, os personagens, unidimensionais, já foram vistos em mais de uma dúzia de filmes de capa e espada na Sessão da Tarde... Não há nada com que possamos nos empolgar ou identificar

A Globo quis ser HBO mas porque trata o seu público com condescendência, recusa-se a ser adulta em seus textos e tramas. Além disso, todo o investimento no visual resta frio e sem vida: enquanto o interior de todos os castelos parece ser o mesmo, as paisagens e o exterior das fortificações (geradas por computação gráfica) emocionam tanto quanto aquelas telas de descanso do Windows.

Por fim, jogaram até a jóia da coroa no lixo. Bruna Marquezine pode ser uma celebridade, mas não admitir suas limitações como atriz é coisa de amador.

Ainda que nessa Idade Média global e limpinha noivos se beijem na boca em frente aos sogros; camponesas estejam sempre maquiadas e de sobrancelha feita; as espadas sejam todas novinhas e reluzentes como se nunca tivessem sido usadas; que o sotaque carioca seja uma espécie de dialeto dos dois reinos.... ainda assim, deixar a ex-atual-futura-namorada de Neymar passar tanta vergonha, dando os textos de maneira tão dura e recitativa, não é coisa que se faça impunemente. Está todo mundo vendo.

A incapacidade de enxergar os próprios erros é uma característica daqueles que se julgam acima de todos. E mais erros vão se acumulando a partir desse posicionamento.

O fracasso da solicitação do Bonner para que mandássemos vídeos em frente a atrações turísticas dizendo qual país queremos no futuro é sintomático.

A outra campanha, a dos "cem milhões de uns", outra triste iniciativa, já deixava claro o desinteresse da outrora "Vênus Platinada" em reconhecer, já no slogan escolhido, a importância da alteridade, do outro. O que cabe nela é apenas o "um", o status quo. Não é estatística, é meta: ela quer cem milhões que pensem como ela. Mas não vai ter, já não tem.

Para a Globo, o golpe saiu pela culatra.

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.

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