terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Escravos sem correntes: 14% dos trabalhadores resgatados no país são encontrados com restrição de liberdade

G1 analisou 33.475 páginas de 315 relatórios de fiscalização dos anos de 2016 e 2017. Levantamento mostra eventual impacto de portaria alvo de polêmica. Dados revelam também que 19 infrações são aplicadas, em média, quando há um resgate.
Escravos sem correntes: 14% dos trabalhadores resgatados no país são encontrados com restrição de liberdade
 Escravos sem correntes: 14% dos trabalhadores resgatados no país são encontrados com restrição de liberdade
Por Clara Velasco, Gabriela Caesar e Thiago Reis, G1

09/01/2018 06h06  Atualizado há 3 horas

De 1.122 trabalhadores libertados em condições análogas à de escravos nos últimos dois anos, 153 foram encontrados pelos fiscais em uma situação que os impedia de deixar seus trabalhos. O número representa 14% do total de resgatados.

É o que mostra um levantamento exclusivo feito pelo G1 com base na análise de 315 relatórios de fiscalização obtidos via Lei de Acesso à Informação. Foram analisadas 33.475 páginas que contêm a descrição do local e da situação verificada in loco pelos grupos de fiscalização, bem como as infrações aplicadas, fotos, depoimentos dos trabalhadores e documentos diversos, como recibos e guias trabalhistas.

Das 315 fiscalizações analisadas (de janeiro de 2016 a agosto de 2017), 117 acabaram com ao menos um trabalhador resgatado. Só em 22 delas, no entanto, foi constatado algum tipo de cerceamento de liberdade (como a retenção de documentos, a restrição de locomoção ou a servidão por dívida).

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O trabalho de apuração do G1 começou a ser feito após o governo publicar, em outubro do ano passado, uma portaria alterando os conceitos usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho escravo. Ela estabelecia que era preciso haver restrição de liberdade para que fosse caracterizado o trabalho análogo ao de escravos.

Ou seja, se ela estivesse em vigor durante o período analisado pela equipe de reportagem, quase mil trabalhadores resgatados (959) não iam ter se enquadrado na nova definição e podiam estar até hoje em condições degradantes.

Durante a apuração, no entanto, houve reviravoltas: a portaria foi suspensa pela ministra Rosa Weber, do STF, o então ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira pediu demissão e uma nova portaria foi publicada, mantendo válidas as regras em vigor há quase 15 anos, em um sinal claro de recuo do governo.

Atualmente, considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido às seguintes situações, de forma isolada ou conjunta:

Trabalho forçado – aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou não deseje permanecer.
Jornada exaustiva – toda forma de trabalho que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação dos direitos do trabalhador relacionados a segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social.
Condição degradante de trabalho – qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Restrição de locomoção por dívida – limitação do direito de ir e vir em razão de dívida contraída com o empregador no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho.
Retenção no local de trabalho – em razão de cerceamento do uso de meios de transporte, manutenção de vigilância ostensiva ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais.
Infográfico mostra dados do levantamento do G1 com relatórios de fiscalização de trabalho escravo no Brasil (Foto: Alexandre Mauro/G1)
Infográfico mostra dados do levantamento do G1 com relatórios de fiscalização de trabalho escravo no Brasil (Foto: Alexandre Mauro/G1)

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