A falta de vacinas é a aparência de um problema que é muito mais complexo: a sistemática redução do orçamento em ciência e tecnologia.
Por Elaine Tavares*
Nada no mundo humano é por acaso. Então, qual o motivo do estado de São Paulo estar vivendo um surto de febre amarela, uma doença que supostamente estava sob completo controle no Brasil, sem casos urbanos desde 1942? Essa é uma pergunta que a gente não vê os meios de comunicação fazerem. Os noticiários mostram o caos nos postos de saúde paulistas, com pessoas fazendo filas quilométricas para tentar garantir uma vacina que não está disponível, mas são incapazes de investigar as causas de todo esse drama que já cobrou, só em São Paulo, 21 vidas.
A falta de vacinas é a aparência de um problema que é muito mais complexo: a sistemática redução do orçamento em ciência e tecnologia. Em março do ano passado, o governo golpista cortou 44% dos valores previstos para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), o que se significou uma redução de mais de R$ 570 milhões nos repasses de R$ 1,3 bilhão esperados pelo CNPq. Agora em 2018 há uma previsão de mais cortes, o que significa que o ministério que cuida da ciência estará operando com menos de 25% do orçamento que tinha no início da década. Esses são dados revelados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A Fundação Oswaldo Cruz tem denunciado sistematicamente o drama que já está sendo para o país todos esses cortes, bem como a desmantelamento de programas aplicados ao ensino médio, visando formar jovens pesquisadores. Além disso, a Fiocruz e outros setores da ciência nacional e da saúde pública, denunciam o progressivo desmonte do SUS, que implica no desaparecimento de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias. Esses dois últimos, fundamentais para o acompanhamento da saúde das gentes em casos como os da febre amarela, ou dengue, ou zika, também bastante preocupantes.
A febre amarela é causada por um vírus transmitido por um mosquito silvestre. Nas áreas de mata, esses mosquitos atacam os macacos, já na cidade, o hospedeiro natural é o ser humano. E se outro mosquito pica uma pessoa infectada, a doença vai se espalhando. Espalhou-se a informação de que são os macacos que transmitem o vírus. Não é verdade. Eles são hospedeiros também e acabam sendo os guardiões dos humanos, pois ao serem acometidos do vírus, morrem. Assim, se numa área se nota a morte dos macacos, é sinal de que a febre se instalou. E o próximo hospedeiro será o ser humano. Assim que exterminar os macacos só piora as coisas.
Segundo informações colhidas pela Fundação Oswaldo Cruz, os casos de febre amarela começaram no ano passado, em Minas Gerais, espalhando-se depois para o Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Tocantins. Os primeiros casos foram comprovadamente provocados pelo mosquito silvestre (o Haemagogus e Sabethes), e a Fiocruz orientou que fosse feito um trabalho de contenção com a vacinação em massa até 50 quilômetros no raio de abrangência. A preocupação era de que os casos chegassem à cidade, onde o vírus não passa por nenhum hospedeiro animal e infecta diretamente o humano, sendo repassado pelo já conhecido Aedes aegypt, que também transmite o vírus da dengue, zika e chikungunya. Um ciclo desses na região urbana pode ser gravíssimo, pois cada caso diagnosticado equivale a um leito na UTI. Por isso não é à toa o medo das pessoas que acorrem aos postos de saúde para garantir a vacina. Há que ter ação urgente do estado no sentido de imunizar a população.
Os casos de febre amarela terem surgido na região de Minas Gerais podem ter relação direta com o crime ambiental provocado pela Samarco, quando a barragem rompeu despejando 55 milhões de metros cúbicos de lama tóxica no Rio Doce, matando-o e espalhando a morte também para seus afluentes até o mar. Essa constatação foi feita ainda no ano passado pela bióloga da Fiocruz, Márcia Chame, quando começou a verificar o aumento dos casos suspeitos de febre amarela na região do desastre. “Mudanças bruscas no ambiente provocam impacto na saúde dos animais, incluindo macacos. Com o estresse de desastres, com a falta de alimentos, eles se tornam mais suscetíveis a doenças, incluindo a febre amarela”.
Logo, o crime da Samarco, além de ter cobrado 19 vidas na época, agora, por conta da incompetência e desatenção do poder público, pode desatar mais uma tragédia.
Assim que, como bem orientam os pesquisadores da Fiocruz, é fundamental a ação rápida do Estado na vacinação da população. Não é possível que o problema já tenha se espalhado de tal maneira a atingir cinco estados da federação. Considerando que a cidade de São Paulo é uma metrópole que recebe gente de todo o país, em trânsito contínuo, se não houver o cuidado devido, o surto pode se difundir por todo o país.
A situação é muito mais grave do que parece
Outro problema a ser enfrentado diz respeito aos sintomas da doença, muito parecidos com os de uma gripe forte. Febre alta e amarelão devem ser observadas, a urina preta também é sintoma pois o vírus causa falência renal e sangramentos. Por isso o alerta dos pesquisadores. Todos os casos suspeitos precisam de atendimento médico imediato e observação aguda por parte dos médicos. Como essa é uma doença pouco conhecida, já quase erradicada, muitos profissionais podem confundi-la, o que pode ser fatal para o doente.
Assim que o que se vê agora em São Paulo não é uma coisa isolada, muito menos uma fatalidade. É fruto da falta de cuidado do estado que começou lá no crime da Samarco e vem se aprofundando com o desmonte das entidades e instituições de pesquisa e do próprio SUS. Aos primeiros casos surgidos em Minas Gerais, o cuidado deveria ser de alerta total. Não foi.
Agora, diante dos casos na maior cidade do Brasil, locomotiva da produção no país, vê-se o despreparo dos órgãos públicos. Não por falta de profissionais competentes e pesquisadores alertas. Mas, por conta de que, como sempre, as pessoas não foram consideradas prioridade nas políticas públicas e as denúncias levantadas lá no começo, quando apareceram os primeiros casos em Minas Gerais, não foram levadas em consideração. Nem pelos gestores públicos, nem pela mídia, que preferiu silenciar os “eco-chatos”, fazendo de conta que nada estava acontecendo.
Enquanto isso, o medo vai tomando conta das gentes, levando a busca desesperada por vacina.
*Elaine Tavares é jornalista.
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