terça-feira, 9 de janeiro de 2018

O livro impresso tem vida!

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Os livros, como no romance Auto-de-fé, do Nobel de Literatura Elias Canetti, eram meus amigos queridos.
E você leitor, o que acha de tudo isto?
E você leitor, o que acha de tudo isto?
E você leitor, o que acha de tudo isto? (Reprodução)
Por Lev Chaim*

Ler no papel impresso, nos dias de hoje, significa a mais perfeita forma de liberdade para mim. Ninguém sabe o que leio, a não ser que eu queira mostrar. Admito escrever no computador, mais fácil do que nas máquinas de datilografia, mas quando vou ler para dar ou não a aprovação final, tenho sempre que imprimir o texto e lê-lo no papel, como fiz a vida inteira. E o que mais me assombra é que não sou o único que valoriza extremamente o impresso, mas muitos outros que ainda preservam esta forma visceral de sobrevivência, dentro do mundo digital de hoje.

Lembrei-me disso porque outro dia entrei na casa de um conhecido e logo de cara notei suas estantes de livros ‘vazias’, ou melhor, cheias de travessinhas, jarrinhas, mas sem um livro sequer. Com uma voz estridente ele anunciou que neste ano, 2018, havia decidido trocar os livros por E-readers (aparelho para baixar livros digitais), o que era muito mais prático e leve. Tudo fica mais simples, disse ele. Não necessito pensar duas vezes qual o livro que estarei levando de férias, pois tenho a minha estante aqui, nestes três E-readers.

Fiquei pasmo e não procurei esconder. Tanto é que ele logo notou o meu espanto e perguntou-me o que achava de tudo aquilo. Fui extremamente sincero: ‘jamais faria isto’. Os livros, como no romance Auto-de-fé, do Nobel de Literatura Elias Canetti, eram meus amigos queridos. A sua presença me animava e levantava a minha moral. Isto sem dizer ainda que passar a página de um livro é um tranquilizante para todos os meus nervos, como se tivesse num planeta diferente, mas que sempre foi meu, pois não sei fazer outra coisa se não ler livros impressos no papel.

E não contente com o que já havia dito, acrescentei: o livro de papel faz com que você se recorde mais de toda a história, pois há páginas, números, embaixo, acima, à esquerda e à direita. Tudo isto o ajuda a gravar melhor a história e a raciocinar sobre aquilo que esteja lendo, deglutindo de forma mais apropriada as ideias ali expostas. Isto mostra respeito para com o autor e reconhecimento para com o editor do mesmo, pois o trabalho para reler tudo, escolher a forma, escolher a capa, a cor, a introdução e a dedicatória sempre fizeram parte da leitura de um livro. A forma digital não tem nada disso: sem capa, sem cor, sem cheiro e sem memória. É só mais leve.

E ainda não totalmente satisfeito, acrescentei que havia lido que uma vez, no Kremlin dos tempos do ditador sanguinário Stalin, que mostrava os cômodos da sede do governo soviético mais vazios, mais limpos, disse a um conhecido: “Vê como agora tenho mais espaço? Limpei várias coisas de lugares e agora sobraram espaços vazios que se nota quando se entra por aqui, não é mesmo?”. Esta pessoa que conversava com Stalin não disse nada, mas pensou: ‘Muito espaço porque ele matou muitos de seus próprios camaradas nos campos de concentração’.

E mesmo notando o ar estupefato deste meu conhecido, continuei a minha divagação em voz alta, sobre a importância do livro impresso. Se quiser se confrontar com a perigosa fobia digital deveria ler o livro de Franklin Foer: “O mundo sem alma – A ameaça existencial da Big Tech” - (O título, traduzi do holandês, não sei se este livro foi publicado em português). Ali, Foer, que também é um especialista do mundo digital, confessa que o papel é o único espaço livre da praga digital que domina o mundo no momento. Quando lemos um livro impresso, é o único momento em que o mundo digitalizado fica de lado de nossas vidas, sem saber nada. Isto caso este livro tenha sido comprado diretamente da livraria e não via internet. Se for por computador, a ‘central de controle geral’ saberá o que estamos dispostos a ler naquele momento.

Portanto, meus amigos: depois do meu eloquente discurso a favor do livro impresso para este meu conhecido, ele resolveu reassumir de volta os livros na estante, trazendo do sótão as caixas lotadas. Feliz da vida, eu até o ajudei na tarefa. E você leitor, o que acha de tudo isto? Se quiser minha ajuda para refazer as suas estantes com livros, basta pedir, ok? Não chego ao cúmulo do comportamento do personagem principal do livro Auto-de-Fé, o sinólogo de Elias Canetti, que se casa com a faxineira, ao ficar doente, com medo de que os seus livros, que enchiam toda a casa, ficassem só, caso ele morresse, sem ninguém que lhes desse o devido cuidado. Mas, confesso, que adoro os livros. Eles são como amigos que, de vez em quando, os revisito com todo o carinho possível.

Confira o vídeo!

*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Domtotal.

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