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O pontífice pretende realizar uma concreta restauração moral entre aqueles que abraçaram a função.
A restauração do sacerdócio que Francisco pretende levar adiante é muito mais moral e espiritual que "estética". (L'Osservatore Romano)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*
Nesta semana, durante missa na casa Santa Marta, Papa Francisco voltou a exortar os sacerdotes para que estes “não sustentem uma vida dupla”. Em muitas ocasiões, Francisco tem unido esse discurso àquele da “corrupção do coração” que, de acordo com ele, nada mais é que a atitude própria daquele que “anestesiou-se” diante do pecado ou já não sente nenhum tipo de contrição ao deparar-se com sua miséria.
“É feio ver pastores de vida dupla, é uma ferida na Igreja. Os pastores doentes que perderam a autoridade e seguem adiante nessa vida dupla”, disse.
Para entendermos mais a fundo essa tentativa de resgate da postura do sacerdote, devemos recorrer a alguns discursos feitos pelo então cardeal Jorge Bergoglio. No famoso livro-entrevista El jesuita, dos jornalistas Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, publicado em 2010, ele fala corajosamente do acompanhamento que deve ser feito junto aos sacerdotes que não se sentem convictos e aptos a continuar abraçando o ministério:
“Se está seguro da sua decisão (de deixar o sacerdócio), até ajudo a conseguir trabalho, mas não permito a vida dupla. Se não pode levar adiante o seu ministério, peço que vá pra casa. Nós solicitaremos a dispensa e a permissão de Roma para que a pessoa tenha condições de contrair matrimônio, por exemplo. Isso é melhor que escandalizar a comunidade”, ressaltou.
Desde o início de seu pontificado, o papa argentino tem assumido uma postura bastante dura no trato com os padres - sejam eles religiosos ou diocesanos -, e isso tem incomodado bastante. Entre os membros clero, alguns alegam que “a misericórdia do papa se limita apenas aos fiéis”. Já entre alguns fiéis, a persistência do papa em relação ao testemunho sacerdotal parece não ser suficiente. Para eles, o papa deve elencar, além disso, uma série de tratados teológicos e difundir um zelo maior em relação à liturgia.
Vale recordar que, em 2015, Francisco publicou um subsídio para que os sacerdotes melhorem suas homilias: o diretório homilético. Nas últimas catequeses, ele tem exigido um comportamento digno dentro das celebrações eucarísticas, pedindo, em outras palavras, que se evite a postura do padre “popstar” diante do altar.
Com isso, constata-se que a restauração do sacerdócio que Francisco pretende levar adiante é muito mais moral e espiritual que “estética” - daí se explica a severidade do papa em relação à prática do ministério. Para ele, o sacerdote é aquele que coloca a eucaristia como centro da sua vida, que reza, que confessa e está disponível para o povo que lhe confiado com zelo e misericórdia. O resto, para Francisco, são apenas detalhes. Na concepção do pontífice atual, de nada adianta um excelente liturgista e um péssimo pastor, como também um excelente teólogo e um grande corrupto aos olhos da comunidade.
Era de se esperar que Francisco desse esse tom ao seu discurso sobre o sacerdócio. Foi diante de “um bom confessor e homem dotado de grande espiritualidade”, como ele faz questão de destacar, que aconteceu a descoberta da sua vocação. E é a partir desse mesmo confessor que, pelo jeito, Francisco traça o seu perfil de sacerdote ideal para a Igreja na atualidade.
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e bacharel em História da Igreja e bens culturais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e atualmente, mestranda em História da Igreja na mesma instituição. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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