sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Papa Francisco pretende pôr fim ao mistério em torno de Pio XII

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É provável que Papa Francisco permita a pesquisadores externos o acesso aos documentos de Pio XII.
Espera-se dessa abertura respostas às lacunas deixadas pelo famoso silêncio de Pio XII diante das atrocidades do regime nazista.
Espera-se dessa abertura respostas às lacunas deixadas pelo famoso silêncio de Pio XII diante das atrocidades do regime nazista. (L'Osservatore Romano)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*

Desde 2010, corre a notícia que os documentos oficiais da Santa Sé relativos ao pontificado de Pio XII poderão ser liberados para a consulta dos pesquisadores a qualquer momento. Já se passaram 7 anos desde que essa hipótese foi levantada, inclusive pelo atual prefeito do arquivo secreto do vaticano, o bispo Sergio Pagano, também membro da renomada Monumenta Germaniae Historica. E, pelo jeito, caso Papa Francisco continue com sua linha de colocar tudo às claras, poderá ser justamente durante o seu pontificado essa abertura. De acordo com um alto funcionário que trabalha no arquivo secreto do Vaticano, tais documentos já estão em uma nova “fase de preparação”, o que pode ser um indício de que tal catalogação tenha sido solicitada diante de um possível aval do pontífice.

Apesar das especulações, uma coisa é certa: a tendência dos últimos pontificados tem sido a de desmistificar a interpretação de que tudo o que existe no Vaticano está envolvo em um mistério inacessível. O próprio nome do arquivo dos papas, em latim Archivum Secretum Apostolicum Vaticanum, como foi classificado desde a sua fundação em 1612, foi alvo de interpretações equivocadas. A palavra “secretum”, que dá nome ao arquivo, foi concebido no latim medieval, o que não significa “secreto”, como foi traduzido para o português, mas privado ou pessoal. Portanto, trata-se do arquivo pessoal dos papas, onde foram depositados todos os documentos relativos ao governo da Igreja Católica em 12 séculos, o equivalente a 85 km de escritos. É lá que é possível consultar a bula de excomunhão de Martin Lutero, a Decet Romanum Pontificem, de Leão X, por exemplo. 

A primeira abertura do arquivo para a consulta dos pesquisadores foi autorizada pelo papa Leão XIII, em 1881. Já a última, aconteceu durante o pontificado de Bento XVI. Ratzinger colocou na mão dos estudiosos os documentos produzidos durante o pontificado de Pio XI entre os anos de 1922 a 1939, época em que o fascismo de Benito Mussolini se consolidava. Essas aberturas em frações acontecem por causa de uma práxis adotada desde 1924, segunda a qual o papa - proprietário direto do arquivo - autoriza o acesso por pontificados.   

 O que se pode esperar dessa abertura são respostas às lacunas deixadas pelo famoso silêncio de Pio XII diante das atrocidades cometidas pelo regime nazista. A comunidade judaica é quem mais clama pela abertura, e foi justamente um de seus representantes na América Latina, o rabino Abraham Skorka, amigo pessoal do papa, a afirmar com todas as letras que Francisco pretende desbloquear o acesso aos documentos de Pacelli. Porém, a abertura dessa seção do arquivo poderá frustrar aqueles que esperam novidades em relação ao pontificado do “papa angelicus”, como é conhecido na Itália. Uma parte dos documentos já foi disponibilizada por Paulo VI na década de 60 e rendeu 12 volumes. Além disso, a consulta ao material, sem nenhuma interferência externa, já foi feita anteriormente pela Santa Sé para dar andamento ao processo de canonização de Pio XII, em 2007. Bento XVI solicitou que se fizesse uma análise minuciosa dos documentos para que só assim pudesse declará-lo digno de culto. E, de fato, Pio XII só veio a ser declarado venerável em 2009. Se Francisco permitir o acesso, serão 16 milhões de documentos à disposição dos historiadores, o que possibilitará uma nova chave de leitura sobre o papel da Igreja Católica durante a segunda guerra mundial.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e bacharel em História da Igreja e bens culturais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e atualmente, mestranda em História da Igreja na mesma instituição. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.

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