terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Prêmios, internet e esquecimento

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Seremos capazes de continuar tão engajados se outra polêmica surgir, convocando nosso ativismo e posicionamento?
Elisabeth Moss no Globo de Ouro: melhor atriz por The Handmaid's Tale.
Elisabeth Moss no Globo de Ouro: melhor atriz por The Handmaid's Tale. (Reprodução)
Por Alexis Parrot*

A cerimônia de premiação do Globo de Ouro no último domingo já começou dando a temperatura do que poderíamos esperar daí em diante: uma noite essencialmente politizada; tanto na escolha dos vencedores quanto nos discursos de agradecimento. O apresentador Seth Meyers abriu os trabalhos dizendo: "boa noite a todas as damas e aos cavalheiros que sobraram."

No campo da televisão, sem surpresa alguma, venceu como melhor série dramática a força de The Handmaid's Tale - como já disse algumas vezes aqui, o grande acontecimento da TV mundial em 2017, lado a lado com o retorno de Twin Peaks.

Elisabeth Moss, merecidamente, também foi contemplada na categoria de atuação pela personificação pungente que deu à aia rebelde contra os senhores do regime fascista de Gilead. 

E venceu Nicole Kidman como atriz de minissérie de drama, com a denúncia meio melosa (mas carregando a importância de jogar luz sobre o tema) da violência doméstica contra mulheres de Big Little Lies. Na comédia, foi Rachel Brosnaham quem levou o prêmio, com seu retrato de uma mulher judia que tenta um lugar ao sol no cenário novaiorquino da stand-up comedy nos anos 50, personagem central da série The Marvelous Mrs. Maisel.

Independente do talento das agraciadas, a Associação dos jornalistas estrangeiros em Hollywood mandou seu recado ao se colocar com firmeza contra o assédio sexual na indústria do entretenimento norte americano. Com a revelação dos vencedores, ficamos sabendo o que já esperávamos: a mulher e questões concernentes à sua condição política no tempo atual foram os verdadeiros astros a ganhar a ribalta na noite da premiação. (E não se engane: o Oscar vai sem dúvida abraçar essa tendência.)

Incentivadas por uma campanha online, atrizes vestiram-se em peso de preto - sinal de luto face ao cair das máscaras de inúmeros figurões do "metier", revelados como predadores sexuais após anos e anos de comportamento execrável, acreditando que seguiriam impunes para o resto da vida. Finalmente, a mesa foi virada.

Preocupa apenas a longevidade da questão perante o interesse da opinião pública. No ano passado, vimos um movimento muito parecido em nome da diversidade étnica - depois do Oscar 2016 ignorar solenemente grandes filmes que discutiam a questão e profissionais negros; que deveriam ao menos ter entrado, com mérito, nas listas de indicados.

Com 2017, outra polêmica veio à tona, deixando tudo mais em segundo plano. Sem dúvida, cabe a pergunta: em 2018 veremos outro tipo de escândalo dando as caras? Seremos capazes de continuar tão engajados contra o assédio se outra nova polêmica surgir, convocando nosso ativismo e posicionamento?  

As redes sociais, aos nos apresentar uma visão de mundo decupado em publicações, "likes" e comentários, nos ajuda a ver tudo de forma dissociada. No universo paralelo do facebook, instagram e outros que tais, toda notícia parece ser independente; causas e consequências não existem ou não merecem ser computadas para uma compreensão ampla dos acontecimentos.  

Reluz aí nossa incapacidade de conseguir fazer conexões, de relacionar assuntos aparentados e nos posicionarmos com persistência contra ou a favor daquilo que foi "trend topic" na semana passada (afinal, o que importa mesmo é a "hashtag" do dia).

Mesmo com uma enorme quantidade de informações ao nosso alcance após alguns cliques, usamos cada vez menos esta prerrogativa - para viver de forma torta apenas um dia por vez. Não podemos continuar a permitir que nos levem por esse verdadeiro primado contra a perenidade e pelo esquecimento. A luta de hoje deve seguir junto com as próximas que certamente virão.

Houve um tempo em que corria a conhecida anedota: o jornal de hoje, na semana que vem, é o apenas o papel que vai embrulhar o peixe. Hoje em dia, com os jornais em plena transição para suportes digitais, falta papel e as notícias parecem apodrecer em nossa memória mais rapidamente até que peixes fora do congelador.   

Cada vez mais imersos na realidade distorcida da internet, temos que prestar atenção para que não acabemos sendo nós os embrulhados.

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.

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