sábado, 13 de janeiro de 2018

Pretinhos de grife

 domtotal.com
A violência contra a mulher tem faces mais obscuras e dignas de repúdio.
Causas importantes que se banalizam sob as luzes da mídia correm o risco de serem vistas apenas como mais um modismo.
Causas importantes que se banalizam sob as luzes da mídia correm o risco de serem 
vistas apenas como mais um modismo. (Reprodução)
Por Fernando Fabbrini*

Faz parte do folclore de Hollywood uma frase - um tanto chula - cuja agressividade tentarei amenizar aqui em nosso site familiar e de bons costumes. Em síntese, ela afirma que o caminho da fama passa com frequência por taças de champanhe e lençóis de seda.

No auge da expansão de certa emissora brasileira, havia um diretor igualmente afamado que se gabava de ter namorado (usei aqui um eufemismo) todas as moças ansiosas pela ascensão na carreira. Naturalmente, sem preconceito de gênero, no meio artístico rapazes bonitões em busca de um lugar ao sol às vezes se submetem ao mesmo pedágio.

Lembrei-me disso ao acompanhar as repercussões da cerimônia de entrega do Globo de Ouro. Súbito, nos Estados Unidos e arredores, surgiu uma onda de arrependimento no âmago das celebridades milionárias, relembrando os tristes momentos quando foram obrigadas a passar pelos lençóis de seda de homens maus e poderosos. Opa! Espera aí: escrevi “obrigadas”? Será que fui influenciado também pela onda puritana midiática?

Uma amiga, a Anamaria, bem lembrou que, nos discursos inflamados da tal solenidade, nenhuma estrela citou as anônimas atrizes que disseram “não” no início da carreira e que, por esta razão, ganharam a vida de outras maneiras. Já aquelas disseram “sim”; “por que não?”, “é o jeito” e agora desfilavam, milionárias e belíssimas, em seus pretinhos de grife. Há livre-arbítrio ainda no universo ou todo mundo é obrigado a aceitar as “regras do jogo”? Ora: cada um faz o que quer de sua vida, mas festejar hipocrisia é muita cara de pau.

Incomodamente, circula pelas redes uma coletânea de fotos de atrizes famosas, no passado, gargalhando felizes e abraçadas ao produtor Harvey Weinstein, principal acusado no meio cinematográfico. Claro, eram outros tempos, dias de vinhos e rosas, e ninguém se “arrependia” naquela época. A glória e o dinheiro falavam mais alto, presume-se.

A violência contra a mulher tem faces mais obscuras e dignas de repúdio. No Irã, elas se rebelam hoje contra uma cultura – esta sim – machista, opressora e absurda. Na Arábia Saudita, lutam pelo direito – meu Deus! – de pelo menos guiarem um automóvel. Na África, meninas continuam sofrendo mutilação genital. E em todo o mundo, silenciosamente, esposas, noivas e namoradas padecem sob o descaso, as agressões e a estupidez de companheiros que dizem “amá-las” e delas se sentem “donos”.  

Um pequeno alívio em meio a este feminismo caricato veio da atriz Catherine Deneuve, encabeçando um manifesto assinado anteontem por inúmeras atrizes europeias, professoras, jornalistas e escritoras. Consideram “legítima a conscientização sobre a violência sexual exercida contra as mulheres, sobretudo no âmbito profissional”, mas acham que há exageros e muitos egos vaidosos dando chiliques oportunistas.

Causas importantes que se banalizam sob as luzes da mídia correm o risco de serem vistas apenas como mais um modismo, um factoide, um capricho de estrelas. Não nos esqueçamos: no palco do Globo de Ouro estavam atores – e atores interpretam muito bem seus papéis, de olho nos aplausos da plateia.

* Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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