sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A eleição do Papa Francisco em retrospectiva

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Ninguém cogitava que alguém no Colégio dos Cardeais votaria em um jesuíta para se tornar Papa.
O Papa Francisco sai pela varanda da Basílica de São Pedro para cumprimentar o povo de Roma na noite de sua eleição, 13 de março de 2013
O Papa Francisco sai pela varanda da Basílica de São Pedro para cumprimentar o povo 
de Roma na noite de sua eleição, 13 de março de 2013 (CNS)
Por James Martin, SJ

Há algo que você não ouve de um jesuíta com muita frequência: não tinha ideia.

Em 13 de março de 2013, a fumaça branca de repente começou a sair pela chaminé da Capela Sistina na Cidade do Vaticano, indicando que um novo Papa havia sido eleito e mais rápido do que a maioria das pessoas esperava.

Poucos minutos depois eu estava em um estúdio de televisão em Nova York, e caiu em mim (como aconteceu com inúmeros outros comentadores) a responsabilidade de explicar para uma parte da audiência de televisão em língua inglesa quem provavelmente apareceria na varanda da Basílica de São Pedro como o novo Papa, sucessor de Bento XVI.

E, francamente, não tinha ideia. Scola? Ravasi? Outro cardeal italiano cuja biografia esperariam que conhecesse bem, mas provavelmente não?

Na verdade, poucos comentaristas tinham alguma ideia do que esperar; e aqueles que alegaram ter uma compreensão sobre o que estava por vir teriam que admitir que os eventos de poucas semanas antes tinham provado amplamente os perigos da suposição, quando um evento que ninguém previu surgiu: a renúncia do Papa Bento XVI em 28 de fevereiro de 2013.

Não desde que o Papa Celestino V renunciou voluntariamente depois de alguns meses em seu pontificado em 1294, nunca antes a igreja tinha visto nada assim, a morte era o único que podia acabar com o mandato de um Papa (Assumindo que, é claro, contamos com Deus para entender o que aconteceu em 1415, quando por um tempo importante três homens alegaram ser Papa). Nesse momento, em 2013, tínhamos um Papa em boa saúde aparentemente deixando seu posto "pelo bem da igreja".

Também pensei naquele momento, e ainda agora, que a renúncia do Papa Bento XVI foi um dos mais poderosos exemplos de humildade em toda a história da igreja. Imaginem abandonar voluntariamente esse tipo de poder. Ainda me assusta.

Visto que Bento XVI foi amplamente visto como um Papa de continuidade, pelo menos eclesialmente falando, em referência a seu antecessor, João Paulo II (mais tarde declarado santo) e porque a grande maioria dos cardeais eleitores (os cardeais que são elegíveis para votar na eleição papal) foram nomeados por Bento ou seu antecessor, a maior parte deles foram considerados "cardeais de João Paulo II".

Muitos de nós pensamos que isso significaria a eleição segura e certa de um candidato que mais ou menos continuaria os legados de João Paulo e Bento, como um rigorista doutrinário e talvez um partidário da ala mais "conservadora" do Colégio dos Cardeais. (Nota bene: termos como liberal e conservador significam algo bastante diferente nos contextos da igreja e no discurso político. Pode-se argumentar, por exemplo, que o papa Bento XVI era muito mais "conservador" do que a maioria dos republicanos dos EUA na moral sexual, e muito mais "liberal" do que a maioria dos democratas em questões como mudança climática e política econômica).

Então, quem seria? Um funcionário da Cúria Romana? Um protegido do próprio Bento XVI, como o cardeal Marc Ouellet de Quebec ou Christoph Schönborn de Munique? Ou mesmo um americano como Seán O'Malley de Boston ou Timothy Dolan de Nova York?

Um nome mencionado oito anos antes no conclave que elegeu Joseph Ratzinger como Papa ainda ressoava, mas sua estrela parecia ter escurecido: Jorge Mario Bergoglio, S.J., o cardeal arcebispo de Buenos Aires, Argentina.

Por um lado, Bergoglio era um jesuíta, e nenhum membro da Companhia de Jesus jamais foi eleito Papa. Além disso, Bergoglio parecia só mais um para os outros cardeais, e para a maioria dos vaticanistas que falavam das probabilidades e seus favoritos papais. Conhecido como um tradicionalista entre muitos de seus irmãos jesuítas, ele, no entanto, foi um dos principais defensores da teologia popular um tanto ousada na Argentina e também fez movimentos pouco ortodoxos em torno do diálogo inter-religioso e das tradições da igreja que muitas vezes confundiram as pessoas de fora. Entre seus próprios irmãos latino-americanos no episcopado, ele era conhecido como um firme defensor dos pobres e oprimidos. Algo assim como um coringa, como muitos comentaristas pensavam... e, além disso, ninguém pensava que alguém no Colégio dos Cardeais votaria em um jesuíta para se tornar Papa.

Entre alguns jesuítas do mundo, também havia alguns problemas com Bergoglio. Seu período como superior regional ("provincial" na linguagem jesuítica) tinha sido, de acordo com quase todos os jesuítas com quem se falava, altamente problemático e de divisões. Em relatos posteriores, incluindo uma entrevista com a America pouco depois de sua eleição como Papa, Francisco olhou para trás, referindo-se àquele momento com pesar, quando, sendo mais novo (ele tinha 36 anos quando foi nomeado provincial) tomou decisões de forma "autoritária". Na verdade, no seu tempo como provincial, os jesuítas foram forçados a nomear um sucessor de outro país - um passo altamente incomum que enfatizou a divisão experimentada na província durante os anos de Bergoglio. O que muitos de nós não conseguimos levar em conta foi que estas eram as ações de um homem muito mais jovem, e que Bergoglio havia mudado.

Foi com tudo isso em minha mente que vi a fumaça branca sair nesse dia. O cardeal Scola, pensei, ou Schönborn; ou talvez o cardeal Ravasi. Os cardeais eleitores vão jogar seguro, escolhendo alguém conhecido, alguém local. Esperando contra a esperança, eu também disse uma oração para alguns dos cardeais que eu realmente conhecia: Dolan, O'Malley.

Meus anfitriões no ABC News rapidamente me pediram para sentar frente a um microfone e narrar os eventos quando o nome do novo Papa fosse anunciado. Logo a cortina pesada foi puxada na varanda da Basílica de São Pedro, e as palavras famosas foram pronunciadas:

"Annuntio vobis gaudium magnum; Habemus Papam!"

A multidão rugiu com alegria. Eu estava verdadeiramente exaltado, com um nó na garganta.

"Eminentissimum ac reverendissimum Dominum, Dominum Georgium Marium Sanctae Romanae Ecclesiae..."

A multidão murmurou. George Mary? Quem era ele? Eu corri pela lista bastante pequena de nomes que eu lembrei do Colégio dos Cardeais. George Mary, quem?

Eu admito que quebrei uma regra de transmissão quando ouvi o que aconteceu depois - porque engasguei com o microfone ao vivo quando ouvi:

"Cardinalem Bergoglio. Qui sibi nomen imposuit Franciscum"

Bergoglio! Esse jesuíta!

Foram três choques ao mesmo tempo, porque foram três coisas que não esperava. Então, a lista dos primeiros veio na minha mente, e foi difícil lembrar de todos: o primeiro Papa jesuíta. O primeiro papa do Sul. O primeiro papa a tomar o nome sagrado e distinto de Francisco.

E, francamente, um jesuíta sobre quem eu não tinha ouvido nada de bom! Meu celular imediatamente começou a tocar com mensagens: "Um papa jesuíta!" "Ele não é jesuíta?" E de um jesuíta que o conhecia, "Cuidado!" Você terá alergias em um ano!" (Em outras palavras, seu novo Papa é um autoritário e tradicionalista).

Então pensei: "Esperem um minuto. Ele está tomando o nome de São Francisco de Assis? (Ou talvez São Francisco Xavier?) Ele não pode ser tão ruim!"

Parecia que o novo Papa sabia, assim como todos nós sabíamos, o choque que supus sua eleição. (Talvez sentiu esse choque ele mesmo). Suas primeiras palavras, traduzidas aqui para o português, foram um reconhecimento pacífico de seu status de "desconhecido" e um reconhecimento de seu famoso antecessor:

Irmãos e irmãs, boa noite! Vocês sabiam que era dever do conclave dar a Roma um bispo. E parece que meus irmãos cardeais foram para os confins da terra para conseguir um! Mas aqui estamos. Agradeço sua saudação. A comunidade diocesana de Roma agora tem seu bispo. Obrigado! E antes de tudo, gostaria de oferecer uma oração para o nosso bispo emérito, Bento XVI. Rezemos juntos por ele, para que o Senhor o abençoe e que Nossa Senhora possa mantê-lo com ela sempre.

Depois de mais algumas palavras de boas-vindas, Francisco deu a primeira indicação de que ele seria um outro tipo de Papa do que estávamos todos acostumados:

E agora eu gostaria de dar a bênção, mas primeiro eu peço um favor. Antes que o bispo abençoe seu povo, peço-lhes que rezem ao Senhor para que ele me abençoe: a oração das pessoas que pedem a benção por seu bispo. Façamos, em silêncio, esta oração: sua oração sobre mim. Agora vou dar a benção a vocês e ao mundo inteiro, a todos os homens e mulheres de boa vontade.

Então ele fez algo que, eu admito, me levou às lágrimas: ele se curvou silenciosamente diante da grande multidão. Mais uma vez, pensei: "Quão ruim ele pode ser depois de ter feito todo isso?"

Naquela noite, nossa comunidade jesuíta na cidade de Nova York estava tensa. Tivemos uma reunião comunitária previamente agendada, então todos nós estávamos em casa. Sem surpresa, pulamos a programação e simplesmente falamos sobre nossos sentimentos. Quem era ele? Nós o conhecemos? O que pensamos? O que significa ter um Papa jesuíta? Essa última pergunta foi a mesma que um repórter me fez no início daquele dia. E minha resposta foi a mesma: "Quem sabe? Nunca houve um!"

Cinco anos depois, nós sabemos. Temos um Papa de surpresas e um Papa de piedade surpreendente. Um Papa que diz com toda a honestidade aos repórteres: "Quem sou eu para julgar?" Um Papa que fala pelos marginalizados, insistindo que uma igreja global deve considerar o mundo inteiro. Um Papa que evita muitas das armadilhas do papado por uma vida de relativa austeridade. Um Papa que tem pouca paciência para as conquistas e as pompas dos séculos passados, que escandaliza os católicos às vezes com sua rejeição brusca de falsas piedades ou regras arbitrárias. Um Papa surpreendente em muitos aspectos, que incentiva os jovens a "fazerem uma bagunça, dar um show", um que não tem medo de chamar alguns católicos de fariseus e hipócritas dos nossos dias em sua pregação e ensino. Um Papa completamente jesuíta: sem medo do discernimento, de encorajar as pessoas a usar suas consciências, de tentar algo novo.

Diariamente, rezo pelo meu irmão jesuíta, este antigo superior provincial e agora meu chefe terrenal, não apenas por sua contínua saúde e presença entre nós, mas pela igreja que ele pastora e pela igreja que ele chama à nova vida com novas formas e através de novos caminhos de pensar e ser.

Feliz aniversario y que cumpla muchos mas, Papa Francisco!

America Magazine - Tradução: Ramón Lara

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