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Projetos para trazer água limpa a áreas remotas estão transformando a vida dos moradores locais
Trabalhadore repinta torre de água em Kasait. (Michael Coyne/ La Croix).
Durante décadas, os moradores de Ermera, no distrito de Liquica, Timor-Leste, acordavam cedo todas as manhãs, subiam uma colina, coletavam água e desciam por quatro quilômetros novamente.
Eles tinham que competir com centenas de outros moradores para atingir dois poços velhos afundados durante a ocupação Indonésia. Na maioria das vezes, quando chegavam, tinham que esperar numa longa fila para poder tirar sua água.
Domingos da Silva era um deles. O homem de 67 anos costumava acordar às 5h da manhã e empurrar um carrinho cheio de recipientes de água até o morro, e repetir o mesmo processo à tarde. Ele diz que fez isso por mais de 60 anos.
Tudo isso terminou em outubro de 2016, graças a um projeto iniciado pelo Jesuit Social Service que trouxe água potável literalmente à sua porta.
Cerca de 40 famílias de sua vila beneficiaram-se desse projeto.
"Esperamos por isso por muito tempo. É um grande peso que sai das nossas costas. Não precisamos mais nos preocupar com água para cozinhar, beber, lavar ou para a lavoura”, disse Domingos da Silva.
"Agora tenho tempo e energia para fazer outras coisas importantes, como conseguir mais dinheiro para minha família", diz ele.
O dinheiro é curto, já que ele paga pela educação de seu filho na Faculdade Inácio de Loyola, em Kasait, a cerca de 15 quilômetros a oeste de Díli.
Agora ele vende lenha todos os dias. Também vende milho e outros vegetais, às vezes no mercado local, às vezes de porta em porta.
"No dia em que o abastecimento de água foi ligado na cidade foi um dos momentos mais felizes da minha longa vida", disse Izelda de Espiritu Santo.
Ela contou que ela e seus 12 filhos se revezavam para buscar água.
"A água deixou de ser um problema. Mas o que nos preocupa mais agora é [como satisfazer as nossas] necessidades diárias", disse.
Eles têm lavouras, mas com o aquecimento global sua família não pode depender da agricultura para ter uma renda regular, o que, segundo ela, é o motivo pelo qual o marido idoso ainda tem de trabalhar para uma empresa de aves em Díli.
Marselinus Oki, engenheiro contratado pelos jesuítas para o projeto, disse que as pessoas só têm a agradecer aos jesuítas pelo que, segundo eles, é um marco importante em suas vidas. A emoção era tão grande que quase todas as fases do projeto foram celebradas, disse.
"Quando estávamos prestes a perfurar os poços, as pessoas reuniram-se para rezar pelo nosso sucesso. Quando a água veio, elas estavam extremamente contestes, agradecendo a Deus por finalmente lhes dar água”, afirmou.
Grande problema
A falta de água continua sendo um problema enorme no Timor Leste, particularmente nas zonas rurais.
E muitas vezes resulta na falta de saneamento. Com pouca água, quase não há banheiros adequados, ou seja, prática generalizada de defecação ao ar livre. Durante a época das chuvas, espalham-se bactérias de fezes humanas e animais, o que leva muitas crianças a sofrerem de diarreia e de outras doenças causadas pela água da chuva suja.
Segundo um censo de 2015, mais de 830.000 dos 1,1 milhão de habitantes do Timor Leste vive em áreas rurais.
Cerca de 78% das pessoas que vivem em áreas urbanas têm acesso a água potável, contra apenas 64% das que vivem nas zonas rurais, de acordo com Rui de Sousa, diretor do Serviço Nacional de Saneamento Básico e de Água do Timor Leste.
"O objetivo do governo é que, até 2030, todas as comunidades tenham acesso à água potável", disse ele ao ucanews.com.
Atualmente, o governo só constrói fontes de água para comunidades urbanas. Mas para as zonas rurais recorre à ajuda de parceiros globais, como a Agência de Cooperação Internacional do Japão, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Australia Fund, organizações sem fins lucrativos e grupos da Igreja.
O padre Erick John Gerilla, diretor executivo do Jesuit Social Service do Timor-Leste, disse que fornecer água potável é uma das prioridades da organização.
Nos últimos quatro anos, foram construídos dez castelos d'água, quatro em escolas nos distritos de Díli e Liquica, disse o padre filipino.
De acordo com ele, o projeto jesuíta pela água limpa ajudou cerca de 2.300 pessoas ou 414 famílias de forma direta, acrescentando que o número dobra se forem contabilizadas as pessoas que usam as mesmas fontes de água esporadicamente.
Cinco novos projetos são esperados para este ano e mais cinco em 2019. Cada um custa de US$15.000 a 18.000, incluindo honorários profissionais e custos trabalhistas.
Grande parte da verba vem de doadores tanto internos como externos, disse o padre Gerilla.
"Com mais castelos d'água, podemos ajudar um número maior de pessoas", afirmou.
Desafio
A construção de castelos d'água, poços ou outros recursos pode levar apenas alguns dias. Porém, o maior desafio é mudar a atitude das pessoas, segundo o padre.
"Elas estão acostumadas a viver de forma independente, como parte de um clã ou sistema familiar. Portanto, para encorajá-las a se comprometerem com uma comunidade, são necessários meses persuadindo-as antes de chegarem até aqui", disse o padre Gerilla.
Até agora, as pessoas utilizavam a água para necessidades básicas, como beber, cozinhar, tomar banho, regar plantas e para o gado.
"Agora, estamos incentivando as pessoas a avançarem um pouco mais, como construir banheiros e usar a água para ser mais autossuficiente", disse.
De acordo com o padre, outro problema é que a renda de muitas pessoas vem da venda de lenha, o que significa que elas cortam as árvores, que ajudam a reter a água.
"Conversamos com eles sobre os efeitos nos poços caso continuem cortando árvores. Dizemos que a água é um recurso natural e que um dia vai secar se continuarmos cortando árvores", afirmou.
"Estamos buscando alternativas à lenha para gerar renda", acrescentou.
Enquanto isso, pediu-se que as pessoas plantassem árvores perto de bombas de água, para ajudar a preservar as fontes de água e proteger as bacias hidrográficas.
O Jesuit Social Service vai ajudar fornecendo mudas, disse o padre Gerilla.
La Croix International/ IHU - Tradução: Luísa Flores Somavilla.
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