segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O Brasil é uma novela das sete

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A paspalhice é reservada para a novela das sete. Há enredos tão esdrúxulos e impossíveis, que são engraçados por demais e acabam por ganhar a atenção e o apreço do público.
Nunca a manipulação das massas se deu de maneira tão plástica e escancarada como nesses episódios.
Nunca a manipulação das massas se deu de maneira tão plástica e escancarada 
como nesses episódios. (José Cruz/Agência Brasil)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Geralmente os brasileiros gostam de novelas. As teledramaturgias produzidas por aqui são até exportadas. Há ótimos enredos e belas interpretações; algumas fotografias são magníficas. Há, também, o contrário. Recordo-me de um padre que falava muitíssimo mal de novelas. Mas ele sempre assistia: dizia que tinha que ver para poder criticar. Dizem por aí que as novelas da Globo são um atentado à moral da família tradicional brasileira. Mas é bastante curioso que os religiosos sempre saibam o que está acontecendo, e são eles próprios a levantarem as polêmicas com aquilo que é narrado ao longo da trama. Por outro lado, os amantes das novelas sempre dizem que o que é reproduzido lá não é nada além do que já acontece no dia a dia. É a velha questão: a vida imita a arte ou a arte imita a vida?

Bem, não é essa a questão à qual queremos nos debruçar. Mas está relacionada. Geralmente, as novelas das sete, da Rede Globo, são mais leves e mais levadas para o humor. Há toda aquela mesmice de toda novela: o casal 20, bastante apaixonado que enfrenta mil e duas dificuldades por parte de algum vilão, que faz de tudo para separar o casal. Ao redor da trama água-com-açúcar de sempre, há núcleos que se voltam para o humor. A paspalhice é reservada para a novela das sete, ao contrário do que acontece na das seis e na das nove. Há enredos tão esdrúxulos e impossíveis, que são engraçados por demais e acabam por ganhar a atenção e o apreço do público bem mais que as cenas do casal romântico. A absurdidade chega a ser tanta que aquela questão sobre a vida imitar a arte nem é levada em conta: há coisas impossíveis demais até para o Brasil.

Estou aqui a pensar justamente o contrário: nosso país vive uma novela das sete! E a paspalhice não tem fim. As “manifestações” dos verde-amarelos, seguidores do pato, por exemplo. Contra a corrupção do governo petista, um flashmob que quase nos coloca em pé de igualdade com a Revolução Francesa – perdoem-me, eu não resisto! A guerra ao comunismo bolivarianista era – e continua – uma verdadeira cruzada com valores religiosos. “Primeiro a gente tira Dilma, depois o resto”, diziam eles. Acho que nem eles acreditavam nisso. Da história recente do país, as narrativas que compunham a cena desse núcleo dramatúrgico são dos mais ridículos e estarrecedores. Nunca a manipulação das massas se deu de maneira tão plástica e escancarada como nesses episódios.

Há, ainda, o núcleo central da trama. Trata-se dos bastidores do poder central. Uma quadrilha criminosa – esta, sim, com provas e mais provas, além de malas de dinheiro e de um sonoro “tem que manter isso aí, viu?” – tomou de assalto o governo do país. O Temer cumpriu uma de suas promessas do golpe: unificou o país. É incrível como consegue ser odiado em todos os setores e rincões. Contudo, não podemos nos enganar: não são eles os vilões! Os vilões se vestem de vermelho, não nos esqueçamos! Mas os verde-amarelos já não dão mais as caras e a militância da resistência ecoa um combalido “Fora, Temer”, desesperançado e inútil. Enquanto isso, as maiores perversidades são feitas já sem nenhum escrúpulo. Mas o roteiro da trama toda desse núcleo, este já havia sido vazado: “Com o Supremo, com tudo”. E já que se trata de paspalhice, já nem se preocuparam sequer de adaptar esse roteiro, depois do furo. Tudo segue como planejado.

E por falar em Supremo Tribunal Federal, chegamos ao terceiro núcleo da trama, o mais importante, pois faz o elo entre os outros dois núcleos: o Judiciário. De um lado, temos um herói com os pés de barro, todo-poderoso da República de Curitiba: é adorado pelos cidadões de bem, que usavam verde-amarelo. A fonte de inspiração para um Brasil sem corrupção e limpo das imoralidades dos políticos mais sujos de todos os tempos – estão todos em um único partido, nunca é demais repetir, pois isso também é uma bela de uma paspalhice própria do horário das sete. Por outro lado, o grande resto do Judiciário – aí incluso o herói – se mostra como uma casta que tem todos os direitos de viver seus nababescos privilégios. Esse núcleo é o refrigério para a grande massa danada: porque uma classe pode desfrutar de imorais privilégios, com engajados defensores desse estapafúrdio status quo, a grande turba tem a chance de viver um grande ideal e se deliciar, pelo paladar dos outros. E é justamente esse núcleo privilegiado que garante o sucesso macabro do segundo núcleo, que tem um Vampiro por personagem principal.

 “Com o Supremo, com tudo” é o nome da novela. Está prometida para continuar para além de 2018. E reparem bem: não é uma obra apenas da Globo, pois parece que os aspectos religiosos de tudo isso – sim, há mais de um! – ficou a cargo da Record, especialista no assunto. Mas isso é assunto para outro dia. Hoje é dia de festejar o carnaval, já que a aridez da vida, junto com a Quaresma, já está logo aí!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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