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O mal no mundo pode ser sentido de diversas maneiras, entre as quais figuram, como máxima expressão, os assassinatos.
Na contra mão de uma fraternidade universal, o que vivenciamos em nossas terras é um horroroso batismo do sangue. (Reprodução/ Pixabay)
Por Tânia da Silva Mayer*
Sem encontrar respaldos no mundo que me façam esquecer, ainda ecoa pelos meus ouvidos certa expressão muito utilizada nas aulas de teologia fundamental ao tratar do tema da Revelação de Deus, Ele que se fez conhecer à humanidade numa realidade “encharcada de violência”. Tal expressão sempre me provocou justamente pela força da imagem à qual a associo facilmente: o sangue abundante escorrendo dos corpos dos que são brutalmente golpeados por ações violentas. Conforme avançam os dias, somos surpreendidos e ficamos estarrecidos com o número elevado de vítimas fatais desse sistema de violência que autoriza alguém determinar o dia, a hora e as circunstâncias do fim da vida de uma pessoa. Não bastasse esse fato, que por si só já é incompreensível, ainda nos estarrecemos com as técnicas e os requintes de crueldade que variam dramaticamente caso a caso.
A violência no mundo está aí há tempo. E haja filosofia e teologia empenhadas na tentativa de saturar as hipóteses sobre a origem do mal no mundo. O fato é que sabemos que ele pode ser sentido de diversas maneiras, entre as quais figuram, como máxima expressão, os assassinatos. O povo da Bíblia, no intuito de explicar suas origens, fez chegar até nós a história de violência entre os irmãos, Caim e Abel. Por inveja e ciúmes, Caim leva seu irmão ao campo onde trabalha e lá o mata. Na profunda metáfora do Gênesis, a terra fértil cultivada por Caim abriu a boca e encharcou-se do sangue do filho mais novo. Esse sangue inocente grita desde as mãos do assassino, e seu clamor é ouvido por Deus que desaprova sumamente o acontecido. A história dos filhos de Adão e Eva nos ajuda a perceber como o ser humano se dispõe ao conflito e à violência contra seu semelhante, rompendo assim com qualquer possibilidade de convivência pacífica e fraterna.
À luz das narrativas de nossa origem, procuramos refletir e discernir os trágicos e funestos sinais de nosso tempo. Nossa terra latino-americana está encharcada do sangue de nossos irmãos e irmãs que ousaram lutar por um mundo novo possível. Na contra mão de uma fraternidade universal, o que vivenciamos em nossas terras é um horroroso batismo do sangue que emerge de corpos inocentes, que se associam a Jesus Cristo no martírio, revelando a maldade que habita o coração humano. Não sabemos qual “Caim” assassinou Anderson Pedro e Marielle Franco, ela que gritou bravamente contra os assassinos de tantos irmãos e irmãs seus. O sangue inocente dos dois banhou nossa terra e regou para sempre a nossa luta, também por eles é que seguiremos cantando: “Forte é quem grita sem ódio e sem medo a verdade maior! Forte é quem nunca abandona a ternura nem mesmo na dor! Forte é quem morre, mas não admite matar! É forte a semente que morre, mas morre pra ressuscitar”.
*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.
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