sexta-feira, 2 de março de 2018

Francisco pode dar mais 'poder' aos bispos

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Em pauta, mudança no estatuto sobre conferências episcopais
Conferências episcopais devem ser concebidas como órgãos com atribuições concretas, incluindo uma autêntica autoridade doutrinal.
Conferências episcopais devem ser concebidas como órgãos com atribuições concretas,
 incluindo uma autêntica autoridade doutrinal. (Andreas Solaro/ AFP)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*

Não se sabe oficialmente se chegou aos ouvidos de Francisco a última polêmica envolvendo a CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Mas não é difícil que isso tenha acontecido, já que, apesar da distância, os olhares do Vaticano estão atentos à vida da Igreja na América Latina, e não é de hoje. Entre os corredores dos “sagrados palácios”, corre a notícia que o beato salvadorenho Óscar Romero poderá ser canonizado pelo papa em outubro deste ano. O pontífice argentino, com isso, “legitimaria” ainda mais a ação pastoral dos latino-americanos. Sem colocar em xeque a seriedade do trabalho levado adiante pela congregação para a causa dos santos, é um dado de fato que muitos processos de canonização têm sido acelerados ou reabertos a pedido do papa, uma vez que ‘os santos que recebem as glórias dos altares’ em determinado período têm muito a dizer sobre um pontificado. É uma prática comum.

Muitos não sabem, mas cogitou-se a beatificação de João XXIII durante o encerramento do concílio Vaticano II, por exemplo. Mais recentemente, basta nos recordarmos da beatificação do cardeal Newman, realizada por Bento XVI durante sua visita à Inglaterra em 2010. No século XIX, o presbítero anglicano John Henry Newman, membro do famoso movimento de Oxford, converteu-se à Igreja Católica. Sua beatificação aconteceu justamente na terra da rainha, Supreme Governor of the Church of England, e um ano depois da publicação da constituição apostólica Anglicanorum Coetibus, com a qual Ratzinger criou ordinariatos para acolher anglicanos que desejam entrar em comunhão com a Igreja Católica.

Em meio à questão envolvendo a CNBB - que não será levantada no presente artigo -, alguns expuseram um documento desconhecido pela maioria dos católicos chamado Apostolos suos, um motu proprio de João Paulo II sobre a natureza teológica e jurídica das conferências episcopais. Em reunião que encerrou-se no último dia 28, o conselho de cardeais instituído por Francisco, chamado pela imprensa de C9, propôs a revisão desse documento à luz da “descentralização proposta pelo papa”, de modo que “as conferências episcopais sejam concebidas como órgãos com atribuições concretas, incluindo também uma autêntica autoridade doutrinal”. Trata-se de uma proposta que, se levada adiante, apenas confirmará os passos dados por Francisco em relação a uma maior promoção da colegialidade episcopal. Aliás, a “máquina da reforma” visa justamente possibilitar, no concreto, um trabalho conjunto entre a cúria romana e as conferências dos bispos. Não seria um enfraquecimento da cúria, como alguns sustentam, mas uma integração maior entre a cúria romana e a igreja universal. “Descentralizar não significa perder o centro, mas tirar dele o peso de tudo aquilo que não lhe compete diretamente”, disse o secretário do C9 em entrevista ao jornal italiano ‘La Stampa’.

Outro ponto é que Bergoglio pretende reforçar a autoridade do bispo diocesano à luz do Vaticano II. Como um jesuíta autêntico, ele vê no acompanhamento a chave para responder às maiores expectativas dos fiéis em relação à própria hierarquia da Igreja Católica na atualidade. Não por acaso, Francisco estabeleceu, em novembro de 2017, que o bispo diocesano passa a ser o único juiz no caso dos processos breves de nulidade matrimonial. O pontífice reforça, com isso, o múnus episcopal de santificar, governar e ensinar que provém da força do próprio sacramento.

“Confiar todo o processo breve ao tribunal interdiocesano poderia reduzir a figura do bispo pai, chefe e juiz dos seus fiéis a um mero signatário de sentença”, reiterou. 

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.

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