sábado, 24 de março de 2018

O aumento do padrão de vida da humanidade nos últimos 200 anos

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Liberdade política e as liberdades civis são essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico e para o avanço cultural e o aumento do bem-estar das nações.
Avanço das condições de vida da humanidade ocorreu às custas do retrocesso das condições ambientais.
Avanço das condições de vida da humanidade ocorreu às custas do retrocesso das condições ambientais. (Pixabay)
Por José Eustáquio Diniz Alves*

“Heal the world Make it a better place For you and for me And the entire human race” Michael Jackson

A Revolução Industrial e energética que teve início no final do século XVIII colocou em funcionamento uma máquina de produção de bens e serviços que ampliou a dominação e a exploração da natureza e abriu um período de grande elevação do padrão de consumo da humanidade. Nesta nova etapa do avanço civilizacional, o ano de 1776 foi marcante devido à conjugação de três acontecimentos históricos: a Independência dos Estados Unidos; O lançamento do livro “A riqueza das nações” de Adam Smith e a entrada em funcionamento da máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt que deu início à utilização dos combustíveis fósseis em larga escala.

Entre 1776 e 2016 o crescimento da população foi de quase 9 vezes (de cerca de 850 milhões para 7,5 bilhões de habitantes), enquanto o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 120 vezes. O aumento da renda per capita foi superior a 13 vezes. Isto quer dizer que um cidadão médio da atualidade recebe em um mês o que um indivíduo médio do antigo regime, antes da Revolução Francesa, levava mais de um ano para receber. Acompanhando o crescimento da renda, houve uma melhoria nos indicadores sociais e políticos.

Os gráficos acima, do site “Our World in Data”, mostram 6 indicadores que refletem os avanços sociodemográficos inquestionáveis, ocorridos desde o início do século XIX, nas áreas de pobreza, saúde, educação e democracia.

O primeiro gráfico mostra as estimativas da participação da população mundial em extrema pobreza. Em 1820, apenas uma pequena elite gozava de padrões de vida mais elevados, enquanto a grande maioria das pessoas vivia em condições que hoje se chamaria de pobreza extrema. Os dados da pobreza extrema consideram os valores abaixo de US$ 1,90 por dia.

Esses números consideram as formas de renda não monetárias (no passado, isso era importante, principalmente por causa da agricultura de subsistência). A medida da pobreza também é corrigida para diferentes níveis de preços em diferentes países e ajustada pelas mudanças de preços ao longo do tempo (inflação). A pobreza é medida no chamado dólar internacional que explica esses ajustes. Em 1820, 94% da população mundial estava em situação de pobreza extrema e apenas 6% estavam fora deste patamar crítico. Quase 200 anos depois, apenas 10% da população mundial estava em situação de pobreza extrema e 90% fora desta condição, em 2015.

O segundo gráfico mostra o processo de democratização da educação e confirma que o sonho iluminista de oferecer educação básica avançou incrivelmente nos últimos 200 anos. A escola era acessível apenas por uma pequena elite. Em 1820 apenas 17% da população mundial possuía educação básica ou mais, sendo que 83% não tinha nenhuma educação formal. Em 2015, os números se inverteram e 86% da população mundial tinha educação básica ou mais e apenas 17% não tinha nem educação básica. Foi nos últimos dois séculos que a alfabetização tornou-se a norma para toda a população.

O terceiro gráfico mostra que 88% da população mundial era analfabeta em 1820 e este percentual caiu para 15% em 2014. Atualmente, há 5,4 bilhões de pessoas no mundo com mais de 15 anos, sendo 85% alfabetizados, o que representa 4,6 bilhões de pessoas. Em 1800, havia menos de 100 milhões de pessoas com a mesma habilidade. Só uma educação em massa seria capaz de movimentar a ciência e a tecnologia, que se bem aplicadas, poderiam resolver os problemas da humanidade.

Os gráficos sobre saúde mostram que a vacinação em massa só começou na década de 1960 e a cobertura chegou a 86% em 2015. Com o desenvolvimento de antibióticos e vacinas, o mundo começou a ver por que a saúde pública é importante. Todos se beneficiariam se a vacinação for universal e com todas as pessoas obedecendo às regras de higiene pública.

Nos últimos 200 anos a conquista mais espetacular foi a redução da mortalidade na infância (0 a 5 anos), que era de 43% (430 por mil) em 1820 e caiu para 4% (40 por mil) em 2015. Nos países desenvolvidos esta taxa está abaixo de 1% (10 por mil). Ou seja, a mortalidade na infância caiu mais de 10 vezes em menos de dois séculos. A sobrevivência das crianças é não só um direito humano básico, mas é fundamental para o próprio bem-estar dos pais. Quanto a mortalidade de crianças é alta, em geral, a mulher passa mais tempo tendo filhos e cuidando da sobrevivência da prole.

A queda da mortalidade possibilita a queda da fecundidade e libera a mulher para investir seu próprio tempo em educação e na inserção do mercado de trabalho. Não só a mulher ganha, mas toda a família e o país como um todo, pois haverá mais pessoas atuando em nas atividades produtivas. A esperança de vida global que estava abaixo de 30 anos no início do século XIX ultrapassou 70 anos no início do século XXI.

O gráfico sobre democracia mostra que em 1820, somente 1% da população mundial vivia sobre regimes democráticos e este número passou para 56% em 2015. Embora seja difícil classificar o grau de liberdade política dos países, não há dúvidas que o mundo ficou mais democrático. Depois da Segunda Guerra Mundial, houve a queda dos impérios coloniais e o processo de descolonização possibilitou que mais países se tornassem democráticos.

O fim das ditaduras na América Latina, o fim da União Soviética e o fim do Apartheid na África do Sul são marcos da democratização global. A liberdade política e as liberdades civis são essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico e para o avanço cultural e o aumento do bem-estar das nações.

Evidentemente, existem muitos direitos humanos que não foram alcançados e a desigualdade social é uma realidade que não se pode ignorar. A pobreza extrema voltou a aumentar na América Latina e a democracia recebeu reverses com a ascensão de líderes fortes na Rússia, Turquia, Filipinas, China, etc. Há países em guerra civil que estão retrocedendo em ritmo acelerado como a Síria, Venezuela, Iêmen, etc. O ritmo do mundo moderno deixa as pessoas estressadas e a sensação de desesperança é grande.

Mas, sem dúvida, os ideais iluministas do século XVIII se materializaram em melhores condições de vida para a humanidade ao longo dos últimos 200 anos. As pessoas vivem mais tempo, com maior renda e com maior padrão de consumo. Nenhum Rei ou milionário do início do século XX, tinha acesso a vaso sanitário, luz elétrica, geladeira, telefone, celular, Internet, etc., como tem hoje em dia a maioria da população mundial. A fome e a pobreza ainda são uma realidade para boa parte dos habitantes do globo, mas a proporção de pessoas vivendo na miséria nunca foi tão baixa. O acesso à informação e à educação nunca foi tão alto.

Porém, não cabe ufanismos e comemorações míopes, pois todo esse avanço das condições de vida da humanidade ocorreu às custas do retrocesso das condições ambientais. Enquanto a humanidade avançou, as demais espécies vivas do Planeta regrediram e os ecossistemas foram degradados. O ser humano usou a riqueza ecossistêmica para usufruto próprio e reduziu as condições ambientais para as futuras gerações.

Portanto, o extraordinário avanço antrópico ocorrido nos últimos dois séculos pode não se repetir no futuro e diversas conquistas que pareciam sólidas podem se desmanchar no ar, pois sem ECOlogia não há ECOnomia.

Referência:

Max Roser. “The short history of global living conditions and why it matters that we know it”. Published online at OurWorldInData.org., 2017


Instituto Humanista Unisinos - IHU

*Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. Artigo publicado por EcoDebate,14-03-2018.

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