terça-feira, 3 de abril de 2018

Como Leonardo da Vinci pintou todos nós no seu quadro 'A Última Ceia'

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'A Última Ceia' de Leonardo da Vinci é sua obra cristã mais reproduzida e talvez de toda arte cristã.
‘A Última Ceia’, Leonardo da Vinci
‘A Última Ceia’, Leonardo da Vinci (Reprodução)
Por Terrance Klein

Há duas coisas que todos devem saber sobre as pinturas de Leonardo da Vinci. Elas ajudam você a apreciar tanto seu gênio quanto suas obras-primas.

Primeiro, Leonardo não pintou em linhas. Ele não adicionou cor aos esboços de linhas como muitos outros pintores. O mestre florentino percebeu que não há linhas na natureza. A mente humana as impõe, pois percebe mudanças sensoriais. A natureza não apresenta uma linha que define um limite entre a janela e o marco da janela. É assim que nossa mente organiza nossas percepções, o que é uma sorte porque de outra forma tudo o que podemos ver seria um caos sem sentido, muito parecido com a visão de um recém-nascido ou de um animal inferior.

Se você olhar atentamente para uma pintura de Leonardo, verá que suas cores se sobrepõem. Uma cor gradualmente dá lugar a outra, de modo que elas novamente formam uma linha em nossa mente. Mas na própria tela há uma mistura. Chamamos essa técnica de sfumatura, do italiano, que significa de tom baixo ou evaporado.

A outra característica essencial da arte de Leonardo é que ele também não acreditava que existissem linhas no tempo. Um momento leva constantemente a outro. É só mais tarde, na memória e na narrativa, que os separamos em sequências ordenadas.

Agora você está pronto para apreciar, de uma maneira nova, uma imagem que todos nós já vimos. É a obra mais reproduzida da arte cristã de Leonardo, talvez de toda arte cristã: "A Última Ceia".

Sem uma cópia da pintura à sua frente, você não pode apreciar a sfumatura física das cores, mas a narrativa pode recontar o Evangelho relacionando-o com sua sfumatura emocional.

Leonardo era um gênio quando se tratava de descrever fisicamente emoções psicológicas, e ele escolheu pintar o momento principal na narrativa da Última Ceia, o momento em que Jesus anuncia que seu traidor está com ele à mesa.

Primeiro, observe que Leonardo impôs uma ordem ao grupo dos 13 reunindo-os em pares de três, com Cristo no centro. Ele nos moverá através do tempo, se começarmos na extrema esquerda, onde Bartolomeu, Tiago o Menor e André estão, como escreve o biógrafo de Leonardo, Walter Isaacson, “todos ainda mostrando a reação imediata de surpresa frente ao anúncio de Jesus. Bartolomeu, aparece alerta e forte, está no processo de pular de pé, "prestes a se levantar, de cabeça para a frente", como Leonardo escreveu.

No livro Leonardo da Vinci, Isaacson escreve:

O segundo trio da esquerda é Judas, Pedro e João. Escuro, feio e de nariz encurvado, Judas segura na mão direita o saco de prata que lhe foi dado pela promessa de trair Jesus, cujas palavras ele sabe que são dirigidas a ele. Ele recua, derrubando o saleiro (que é claramente visível nas primeiras cópias, mas não na pintura atual) em um gesto que se torna notório. Ele se afasta de Jesus e é retratado nas sombras. Mesmo quando seu corpo recua e torce, sua mão esquerda alcança o pão incriminador que ele e Jesus compartilharão.

Pedro é combativo e agitado, expressando sua indignação. "De quem se fala?", pergunta Pedro. Ele parece pronto para agir. Na sua mão direita está uma faca comprida; ele iria, mais tarde naquela noite, cortar a orelha de um servo do sumo sacerdote enquanto tentava proteger Jesus dos soldados que vieram prendê-lo.

Em contraste, João está quieto, sabendo que não é suspeito; ele parece entristecido, mas resignado com o que sabe, não pode ser evitado. Tradicionalmente, João é mostrado dormindo ou deitado no peito de Jesus. Leonardo o mostra alguns segundos depois, após o pronunciamento de Jesus, ensimesmado tristemente.

“A última ceia” é uma única imagem, mas se lê ou pode ser vista como uma narrativa emocional momento a momento, que até mesmo antecipa a história que está por vir. Finalmente chegamos ao centro.

Jesus, sentado sozinho no centro da Última Ceia, com a boca ainda ligeiramente aberta, terminou de fazer seu pronunciamento. As expressões das outras figuras são intensas, quase exageradas, como se fossem jogadores em um concurso. Mas a expressão de Jesus é serena e resignada. Ele parece calmo, não agitado.

À direita de Jesus estão Tomé, Tiago o Maior e Felipe. Tomé levanta o dedo indicador direito. É o gesto favorito de Leonardo, mas este também é o discípulo que em breve será ordenado a colocar o mesmo dedo no lado ferido do Jesus ressuscitado. Leonardo está puxando momentos diferentes e juntando-os nesta cena.

O trio final à direita compreende Mateus, Tadeu e Simão. Eles já estão em uma discussão acalorada sobre o que Jesus pode ter dito e o que significavam suas palavras. Olhe para a mão direita de Tadeu, em concha. Leonardo era um mestre dos gestos, mas também sabia como torná-los misteriosos, para que o espectador pudesse ficar engajado com a pintura. Ele está batendo a própria mão como se dissesse: "Eu sabia?" Está sacudindo o polegar na direção de Jesus ou Judas? O espectador não precisa se sentir mal por estar confuso; em suas próprias maneiras, Mateus e Tadeu também estão confusos sobre o que acaba de ocorrer, e estão tentando resolvê-lo e procurar respostas em Simão. Voltando a Jesus, Isaacson escreve:

A mão direita de Jesus está se aproximando a um copo sem haste, um terço cheio de vinho tinto. Em um detalhe deslumbrante, seu dedinho é visto através do próprio vidro. A mão esquerda dele está com a palma para cima, gesticulando para outro pedaço de pão, que ele olha com os olhos baixos...

Esse gesto e olhar criaram o segundo momento que brilha na narrativa da pintura: a da instituição da Eucaristia. Esta parte da narrativa transluze para fora de Jesus, abrangendo tanto a reação à sua revelação de que Judas o trairá como a instituição do santo Sacramento.

Não é de estranhar que a pintura mais famosa de Leonardo seja a Última Ceia. Todos nós concordamos e nos sentimos dentro dela! Porque, não é verdade que todos nós, de alguma forma, traímos o Senhor, apesar de comermos com ele à mesa? E não somos todos facilmente agitados em cada momento novo do nosso dia a dia, imaginando o que o Senhor faria se estivesse na mesma situação? Não estamos propensos a tomar as próprias decisões, coisas, até facas, porque pensamos que sabemos o que deve ser feito? No entanto, como João, em momentos de profunda intimidade com o Senhor, não nos é dada a graça de aceitar tudo o que deve acontecer?

E então temos o Senhor. Focado, em paz, apontando para o sacramento. Com olhos de fé, pode-se olhar através das espécies externas e ver o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Seu dedo pode ser visto através do vidro.

Sfumatura. Quando as cores correm juntas. Quando os momentos se unem. E existe em todos e cada um de nós, que somos parte fiéis, parte infiéis. Vivemos em um mundo esfumaçado, mas a semana passada, Cristo, no centro, nos atraiu para si e se entregou por nós. Ele faz isso com grande compaixão e total clareza.


America Magazine - Tradução: Ramón Lara

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