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Será fundamental ampliar o poder daqueles que se vinculam efetivamente à observância e à implementação de espaços realmente democráticos e de efetivação dos direitos humanos.
Sabemos que nenhum poder é absoluto, sempre há no seio de toda instituição,
pública ou privada, divergências, resistências. (Roberto Stuckert/PR)
Por João Batista Moreira Pinto*
Em texto recente, Leonardo Boff - teólogo mundialmente reconhecido por suas lutas vinculadas à Teologia da Libertação - após descrever a tentativa frustrada de, junto com o Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel visitarem Lula, destacou que aquilo era mais uma comprovação de uma “lógica negadora de democracia num regime de exceção”, ressaltando entretanto que o Brasil é maior que sua crise, da qual sairíamos “melhores e orgulhosos de nossa resistência, de nossa indignação e da coragem de resgatar a partir das ruas e pelas eleições um Estado de direito”.
Compactuo fortemente com essa posição, porém, vislumbrar elementos para um futuro que esperamos próximo, faz-nos refletir sobre algumas vivências, contradições e desafios para esse processo de lutas e resistências.
Quando políticos do PSDB, que contribuíram para o golpe institucional de 2016 como FHC, dizem que as instituições estão funcionando, percebe-se claramente o interesse daqueles que são corresponsáveis por esse período de extremismos, onde os direitos são minimizados e subjugados por outros interesses ligados aos poderes político e econômico, em uma articulação nacional e internacional. Mas o que é mais surpreendente é que operadores do Direito, como Flávia Piovesan, que talvez por sua participação no governo Temer e quem sabe por expectativas de conveniências pessoais futuras, manifestem sua vinculação a essa ideia de que as instituições “estão funcionando”.
É bom lembrar que as instituições podem estar funcionando, a questão é, funcionando para qual fim? Para quem? Devo lembrar aqui que Gustav Radbruch, grande jurista alemão que se desvinculou do positivismo jurídico a partir do nazismo, percebeu que as instituições podem funcionar também em um período de negação absoluta do Direito, onde o povo e os juristas poderiam ficar “sem defesa”, desprotegidos, apesar da existência de leis e sua observância, sob determinada forma de compreensão.
Portanto, o que é possível antever neste período pós-golpe e de articulação política para a resistência com base no projeto dos direitos humanos, é que será fundamental ampliar, em todas as instâncias sociais, nas instituições do Estado (governo, Congresso, Judiciário), mas também nos meios de comunicação e na sociedade civil, o poder daqueles que se vinculam efetivamente à observância e à implementação de espaços realmente democráticos e de efetivação dos direitos humanos para todos.
No contexto do atual golpe institucional, viabilizado com participação efetiva do poder político e econômico, mas também midiático e judicial, temos a usurpação do poder legítimo pelos interesses de uma minoria. Porém, esta consegue fazer-se representar e ter atuação estratégica de forma a fazer valer seus interesses, infelizmente defendidos por uma parcela da população que, manipulada, ainda não consegue vislumbrar no que é apresentado pela Rede Globo e por outros meios de comunicação, os interesses dessas minorias. Isto nos remete novamente a uma correlação com a estratégia utilizada no período nazista alemão e, portanto, ao distanciamento das bases democráticas que podemos observar também em nossa realidade.
Sabemos que o que vivemos hoje é o resultado de uma articulação desses vários poderes, exatamente porque foram ameaçados e contestados por um determinado período de tempo no Brasil e na América Latina; o que levou à subjugação democrática e jurídica aos interesses de alguns grupos e setores de poder.
Assim, os atores democráticos, agora na resistência, se expressando de diversas formas e de todas as partes do mundo em solidariedade aos brasileiros, e que no Brasil ocupam as ruas e as redes sociais com suas manifestações - mas que a mídia tradicional tenta ocultar não fazendo referências a elas ou minimizando-as - precisam se fortalecer e procurar ações mais estratégicas.
Sabemos que nenhum poder é absoluto, sempre há no seio de toda instituição, pública ou privada, divergências, resistências. Entretanto, o fato de não vivermos uma normalidade democrática parece limitar as vozes daqueles que, nos diferentes espaços da sociedade, mesmo não concordando com os autoritarismos presentes, preferem se manter calados. É necessário que essas pessoas sintam que não estão sós, portanto, os núcleos de resistência precisam ser multiplicados em todos os espaços institucionais e da sociedade civil, inclusive nos familiares.
É fundamental que consigamos criar instrumentos para que essa resistência possa ocorrer nos múltiplos espaços sociais e institucionais, no cotidiano, celebrando as diversas ações e conquistas, assim como denunciando, cada um de acordo com suas possibilidades, as manipulações e limitações da realidade produzidas pelos poderes atualmente hegemônicos.
Só assim será possível nos prepararmos, atuarmos e vencermos esse período de autoritarismos e de dogmatismos aliados a visões neoliberais e de dominação, por meio de um processo de resistência individual e coletivo, que esperamos, possa prevalecer o mais rápido possível e faça diferença nas próximas eleições. Que estas sejam o resultado de nossas ações, produções e manifestações críticas de agora, buscando construir as bases para a superação dialética das ideias e estratégias de dominação que têm prevalecido sobre a observância dos direitos humanos no atual período de golpe e de subjugação da democracia brasileira.
João Batista Moreira Pinto é doutor e pós-doutor em Direito pela Université de Paris X, Nanterre. Professor da graduação e do mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Dom Helder Escola de Direito. Coordenador do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Diretor do Instituto DH.
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