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A hipocrisia é uma triste realidade que está presente nos diversos âmbitos da existência.
Se queremos, realmente, vencer a corrupção, precisamos começar a
expulsar de nós a hipocrisia. (Reprodução/ Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*
Sim, caríssimos leitores e leitoras, este título foi um recurso para lhes chamar a atenção. Mas, qual título não é? Pessoalmente, sou um admirador da ironia. É um estilo de uma fineza surpreendente. Mas há uma coisa, muito confundida com a ironia, o deboche, que me desagrada. No Brasil da desfaçatez, o deboche rola solto. Numa semana, o inventor da corrupção no país é preso – ironia –, e grita-se: “primeiro ele, depois os outros...”, “não temos bandido de estimação”; noutra, ex-governador tucano, o Santo, nas listas escusas, perde o foro privilegiado, e tem seu processo retirado da Operação Lava-Jato e passa a ser conduzido pelo tribunal do compadrio – deboche –, e grita-se... A verdade é que não se grita – mais deboche.
Esse é apenas um exemplo, num mar de situações cotidianas que temos acompanhado. No surto de amor pelo Brasil, o que menos vemos é um Brasil amado: perdemos tudo, inclusive a dignidade. Elegeu-se um bode expiatório, sobre quem foi imputado todos os pecados do país, e o ódio encontrou uma referência, um alvo. Ninguém merece ser odiado, ninguém! A justiça precisa ser justa para todos e todas. Mas aprendemos a demonizar o mal – ou o que julgamos ser o mal – apenas quando discordamos. Pode ser bom, justo, mas, se eu discordo, combato como sendo o pior dos males. Reclama-se das ideologias, mas ignora-se – ou por estupidez ou por má fé – que tudo está marcado pela ideologia.
Um arcebispo marchar em comitiva, com outros bispos e arcebispos, rumo ao Palácio onde mora um grande subjugador da soberania e da dignidade do país, para abençoar o Temer, o usurpador, não corresponde a uso político de um ato religioso. O mesmo arcebispo, candidatíssimo, aliás, da ala conservadora da Igreja para se tornar Papa, reunir-se com um Prefeito demagogo, para propor ração humana para os pobres, não corresponde a uso político da pertença à hierarquia de uma importante instituição religiosa. Mas o arcebispo em questão, na maior solenidade que lhe cabe, pode lançar nota – de claro teor político – criticando como instrumentalização política uma celebração ecumênica, na qual um bispo emérito fez-se presente, porque dizia respeito a um ato em memória de uma mulher, que havia sido esposa de um ex-presidente às portas da prisão, o bode expiatório. Deboche!
Ninguém é 100% coerente, sempre. Contudo, a busca pela coerência deve ser constante. É preciso não nos esquecer que a corrupção é a ruptura do coração: buscar a coerência é buscar a integridade do coração, este que é símbolo da interioridade. A hipocrisia é uma triste realidade que está presente nos diversos âmbitos da existência. No seio das religiões, infelizmente, a hipocrisia é uma constante. Jesus bem sabia dessa realidade e, por isso, denunciava aqueles que se revestiam de autoridade religiosa, mas que viviam com a ruptura no coração: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de cadáveres e de toda podridão! Assim também vós: por fora pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça” (Mt 23,27-28).
Se queremos, realmente, vencer a corrupção, precisamos começar a expulsar de nós a hipocrisia, a incoerência, numa afirmativa atitude de integrar o nosso coração. Nossos umbigos não são medidas justas de nada: não devemos julgar e avaliar os outros, a partir do que julgamos de nós mesmos, porque o juízo sobre nós próprios, tende sempre a ser benevolente para além da conta. É por isso que Jesus orienta que não julguemos. Melhor que fazer juízos e eleger bodes expiatórios seria repensar nossa própria responsabilidade e como transformar nossa atuação no mundo. Afinal, também nós, vez ou outra, acabamos por ter uma ruptura no coração.
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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