segunda-feira, 21 de maio de 2018

Jesus quis um clero como o que temos?

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É necessário preparar uma Igreja do futuro, que seja menos 'clerical', mas mais 'evangélica'.
Francisco quer mudar muitas coisas, até chegar às últimas consequências.
Francisco quer mudar muitas coisas, até chegar às últimas consequências. (Reprodução)
Por José María Castillo

É bem sabido que o Papa Francisco está encontrando numerosas e por vezes fortes resistências que não vêm dos inimigos tradicionais da Igreja, mas precisamente e surpreendentemente de importantes setores do clero. Resistências que inevitavelmente se estendem a não poucos leigos, que se distanciam da Igreja ou desconfiam do Papa Francisco e de seus ensinamentos.

Seja o que for sobre este assunto, não há dúvida de que as relações do Papa Francisco com o clero nem sempre são fluidas e simples. Este papa tem criticado não poucos comportamentos de homens do clero, sem dar atenção aos cargos, dignidades e comportamentos dos "homens da Igreja" que, em alguns casos, revelaram questões obscuras ou mesmo escandalosas. Não seria melhor esconder - ou tentar esconder - certas condutas que, quando tornadas públicas, escandalizam as pessoas e fazem mal a crentes e não-crentes?

Não há dúvida de que este Papa quer mudar muitas coisas. Como o papa mesmo disse, há alguns dias, "isso é sério". Até chegar aonde seja preciso. Até as últimas conseqüências

E qual seria a última dessas consequências? Bem, se formos ao fundo e sem medo, creio que tenha chegado  o momento de enfrentar uma pergunta que possivelmente nos assusta: temos certeza de que Deus quer que na Igreja haja um clero como o que temos?

A palavra "clero" não aparece no Novo Testamento. Esse termo provavelmente foi introduzido por alguns autores cristãos, no s. III. Como se sabe, a palavra clero vem do grego kleros, que significa "lote", no sentido de "herança". Daí que "clero" foi entendido como um grupo ou grupo de pessoas "privilegiadas" ou isentas de carga tributária e outras obrigações, que eram concedidas à Igreja, especialmente a partir do ano 313, por ocasião da chamada conversão do imperador Constantino. (Peter Brown, Pelo buraco de uma agulha, Barcelona, Acantilado, 2016, 103-104). Concretamente, os "privilegiados" eram os líderes da Igreja. Resumidamente, o "clero" tornou-se distinto porque era privilegiado. Isso tem sido desde o s. IV. E assim continua sendo.

No entanto, se há algo claro nos Evangelhos, é que Jesus não queria privilégios nem privilégios em sua comunidade de "seguidores" e discípulos. A isso Jesus se opôs, de forma clara, quando dois de seus discípulos, Tiago e João, reivindicaram as primeiras posições (Mc 10,35-46, Mt 20,20-28). E, acima de tudo, na Última Ceia, Jesus impôs aos seus apóstolos o exemplo de vida que haviam de levar: lavar os pés uns dos outros (Jo 13, 12-15). O que queria dizer que deveriam seguir pela vida, não precisamente como privilegiados, mas como escravos a serviço dos demais.

Mas aconteceu que, com o passar do tempo, as coisas mudaram. Foi entre os séculos IV e VI, quando bispos e clérigos alcançaram posições de privilégio, enorme riqueza e condições que levaram esses homens a serem os grandes senhores do Ocidente. Ao dizer isso, não pretendo ou insinuo que o clero de hoje sejam "grandes senhores". Não são. Mas acontece, não raro, que se encontrem "homens da Igreja" que, na realidade, buscam na vida mais "estabelecer-se" neste mundo do que "seguir a Jesus", com todas as suas conseqüências.

Pode-se dizer que Jesus queria uma Igreja dividida e separada em duas categorias de cristãos, "clérigos" com poderes e dignidades, leigos "submissos" e "profanos"? Naturalmente, é assim que a religião, seus templos e suas liturgias foram solidamente mantidas. Mas, a partir de tal divisão, temos vivido e vivemos melhor o Evangelho? Somos melhores "seguidores de Jesus"?

O "clero", tal como o temos e tal como funciona, não foi uma invenção de Jesus, o Senhor. Ele foi inventado pelo egoísmo humano. Nem pertence à "Fé Divina e Católica" que a Igreja deve ser dividida assim. Na Igreja podem haver ministros do Senhor, testemunhas do Evangelho e pessoas responsáveis pelas comunidades cristãs, que cumpram tais funções sem precisarem ser "privilegiadas" e "consagradas", como vem sendo desde a antiguidade tardia.

Não se poderia ir introduzindo mudanças, que o povo crente seja capaz de assimilar, para preparar uma Igreja do futuro, que seja menos "clerical", mas mais "evangélica"? Ou é melhor para nós ir com a religião do que com o evangelho?

Periodista Digital - Tradução: Gilmar Pereira

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