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Maria Madalena ao longo da história passou a ser aquilo que nunca foi, prostituta.
Maria Madalena, protagonizada por Rooney Mara, decide seguir Jesus, que ao passar por Magdala, sua cidade, ganha uma apóstola. (Copyright Universal Pictures International Production)
Por Frei Jacir de Freitas Faria, OFM*
Nas telas do cinema, em vários continentes, está sendo projetado o filme Maria Madalena. Dirigido por Garth Davis, essa produção britânico-australiana procura resgatar o papel originário de Maria Madalena, a de apóstola.
Madalena, o filme! Sim. Madalena, a prostituta! Não. Os cristãos acreditam no equívoco cometido pelo papa Gregório Magno (540-604) na catedral de Milão, interpretando Lc 7,36-50, que fala de uma prostituta que unge os pés de Jesus, e afirma que tal prostituta seria Madalena arrependida. Os milaneses pervertidos se converteram e a apóstola Madalena passou a ser aquilo que nunca foi, prostituta.
A partir daí, o inconsciente coletivo guardou na memória a figura de Maria Madalena como mito de pecadora redimida. Nas sociedades patriarcais antigas, a mulher era identificada com o sexo e ocasião de pecado por excelência. Lc 8,2 cita nominalmente Maria Madalena e diz que dela “haviam saído sete demônios”. Ter demônios, segundo o pensamento judaico, era o mesmo que ser acometido de uma doença grave. No cristianismo, o demônio foi associado ao pecado. No caso da mulher, o pecado era sempre o sexual. Nesse sentido, a confusão parece lógica.
Madalena, a apóstola de Jesus e líder entre os homens apóstolos. Testemunha da ressurreição. Mulher que esteve à frente de seu tempo. Não prostituta. Uma outra Madalena! E é isso que Garth Davis soube explorar bem em seu longa-metragem. O espírito mau que estava dentro dela era justamente o de não querer seguir os ditames da cultura judaica: toda mulher tinha que ter um marido e servi-lo, como queria o seu pai. Maria Madalena, protagonizada por Rooney Mara, decide seguir Jesus, que ao passar por Magdala, sua cidade, ganha uma apóstola.
O filme vem em boa hora. Tempo de violência. Não por mera coincidência, Madalena de Magdala e Marielle do Rio de Janeiro são exemplos de lideranças que abrem caminhos de liberdade e esperança.
Faltou mencionar, no fim do filme, o pedido de perdão da Igreja a Madalena, em 1969, quando a Igreja retira de Madalena os atributos de penitente e pecadora (prostituta). No filme, Pedro não acredita em Madalena e tem ciúme de sua liderança, tema inspirado no evangelho apócrifo de Maria Madalena. Além disso, faltou explorar, também, a relação, não menos importante, de Madalena com Jesus. Relação de cumplicidade e de amor diferenciado. Essa temática poderia ter dado mais vivacidade ao filme, que em determinado momento chega a ser moroso.
O grande mérito do filme é o de apresentar Madalena como liderança apostólica. Davis ultrapassa dezenas de filmes que apresentaram Madalena como prostituta, o que pode ser visto em A Paixão de Cristo e A última Tentação de Cristo. A Madalena do filme é a mulher redimida hipoteticamente pela história. Ela é a Apóstola dos Apóstolos, como ensinou a Igreja no início do cristianismo, mas feita prostituta pelo papa Gregório e resgatada como apóstola por outro papa, Francisco, em 2016.
*Frei Jacir de Freitas Faria, OFM é autor dos livros 'As origens apócrifas do cristianismo: comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé' (Paulinas) e 'O outro Pedro e a outra Madalena segundo os apócrifos' (Vozes).É reitor do Instituto Santo Tomás e Aquino.
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