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O documento de 1974 atesta que o presidente Geisel não apenas sabia como ordenou a execução sumária de opositores do regime militar.
Os Estados Unidos sabem mais sobre o período militar do que supõe nossa vã filosofia. (Reprodução)
Por Jorge Fernando dos Santos
O relatório da CIA divulgado na semana passada pelo jornalista Matias Spektor bombou nas redes sociais e deixou muita gente estarrecida. O documento de 1974, liberado pelo Departamento de Estado Americano em 2015, atesta que o presidente general Ernesto Geisel não apenas sabia como também ordenou a execução sumária de opositores do regime militar. Ele teria orientado seu sucessor, general João Figueiredo, a autorizar os assassinatos.
A coisa parece clara. Ao contrário do que disse Pedro Aleixo em 1968, ao discordar da decretação do AI-5, o problema da ditadura não foi APENAS o guarda da esquina, mas também seus superiores. Militares geralmente seguem a hierarquia. Se num regime democrático o presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas, que dirá num governo de generais.
Os Estados Unidos sabem mais sobre o período militar do que supõe nossa vã filosofia. Para não perder território de influência durante a guerra fria, a Casa Branca ajudou a derrubar governos democráticos, como os de João Goulart e Salvador Allende, no Chile. Em 1964, Jango não ofereceu resistência porque sabia que uma frota da Marinha americana estava a caminho do Brasil.
Há quem diga que o golpe ocorreu em resposta a outros que vinham sendo tramados. Carlos Lacerda, governador udenista do Estado da Guanabara, chegou a denunciar seu correligionário Jânio Quadros de armar um deles. Por sua vez, Jango e Brizola queriam implantar uma república sindicalista no país. Enquanto isso, os comunistas se fortaleciam com ajuda internacional.
Golpe civil-militar
O golpe de 1964 foi, na verdade, civil-militar. Teve o apoio de políticos e juristas conservadores, banqueiros, construtores, latifundiários, da Igreja e dos EUA. Vale lembrar que a campanha “a família que reza unida permanece unida”, comandada pelo padre Patrick Payton, pároco de Hollywood e suposto agente da CIA, foi o embrião da Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
A ditadura começou relativamente branda com Castelo Branco e endureceu o jogo a partir do AI-5, decretado por Costa e Silva. Desde então, sob o manto de uma rigorosa censura, tornaram-se rotineiras as prisões arbitrárias, a tortura e o desaparecimento de opositores. Enquanto isso, o “milagre brasileiro” conquistava o povão sob o lema “Pra frente Brasil”.
Em reposta ao arbítrio, radicais de esquerda incrementaram a luta armada e isso acabou servindo de justificativa para a repressão. Esta caiu também sobre os liberais, que buscavam uma saída por meio do diálogo. Dividida em vários grupos devido a diferenças de orientação programática, a guerrilha não tardou a ser esmagada pelo inimigo em comum.
A ironia é que o regime começou a declinar quando a Casa Branca adotou a política de distensão. Com a estatização da economia, promovida pelos militares, o capital privado perdera espaço e isso desencantou o empresariado americano. A crise do petróleo e o aumento da inflação precipitaram a abertura. A eleição de um presidente civil por via indireta livrou os militares da ira revanchista.
Décadas depois, no exato momento em que a Justiça coloca políticos e empresários corruptos no banco dos réus (como nunca antes na história deste país), o Brasil se mostra cada vez mais dividido entre uma esquerda vitimista e uma direita arbitrária clamando pela intervenção militar. Oxalá o radicalismo não ponha novamente em risco a democracia. Como disse o filósofo liberal Edmund Burke, “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.
Jorge Fernando dos Santos
Jornalista, escritor, compositor, tem 44 livros publicados. Entre eles Palmeira Seca (Ed. Atual), Prêmio Guimarães Rosa em 1989; ABC da MPB (Paulus), selo altamente recomendável da FNLIJ em 2003; Alguém tem que ficar no gol (SM), finalista do Prêmio Jabuti em 2014; Vandré - o homem que disse não (Geração), finalista do Prêmio da APCA em 2015; e A Turma da Savassi (Quixote).
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