segunda-feira, 7 de maio de 2018

Os grandes grupos econômicos veem no papa uma ameaça

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Influência de Francisco na realidade econômico-financeira global. 'Não se trata de acabar com o capitalismo, mas de colocar a economia a serviço do bem comum'
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'Quando o Papa denuncia o abuso das finanças, ele está apontando para o coração de Wall Street', diz Agustín D’Attellis, economista argentino.
'Quando o Papa denuncia o abuso das finanças, ele está apontando para o coração de Wall Street', diz Agustín D’Attellis, economista argentino. (Reprodução/ La Stampa)
Por Andrés Beltramo Álvarez

Buenos Aires - A grande economia, encoberta pelo "deus do dinheiro", favorece o crime organizado. Há uma ligação cada vez mais estreita entre os paraísos fiscais, os grandes bancos internacionais e os grupos criminosos mais perigosos do planeta. É por isso que, quando o Papa Francisco critica o capitalismo selvagem e a economia da exclusão, muitas grandes potências o veem como uma ameaça. Talvez eles não o critiquem abertamente, mas alimentam a resistência contra ele.

É a convicção de Agustín D'Attellis, economista argentino. Professor na Universidade de Buenos Aires, especialista em macroeconomia e mercados financeiros, em uma entrevista com o Vatican Insider fala sobre o impacto da "Laudato Si" no debate econômico e financeiro global.

Que impacto tem o pensamento de Francisco sobre a economia mundial?

A mensagem do Papa incluída na encíclica "Laudato Si" aponta para uma mudança nos próprios pilares em que se apoiou o modelo econômico e financeiro que, nestes tempos de retorno neoliberal no mundo, começa cada vez mais a abrir uma margem para que o crime organizado tenha uma forte participação. No final, trata-se de finanças e moral. Os mercados financeiros são governados, entre outras coisas, pela concorrência, mas isso leva a um comportamento muito questionável em relação à moral. Questionar essas coisas é enfrentar interesses muito poderosos no mundo atual.

Então, o que deve ser feito?

Temos que investir em um esquema que coloque o sistema econômico a serviço do produtivo, do emprego, do bem comum. É aqui que a mensagem do Papa confronta interesses reais e não apenas máfias ou grupos que trabalham na ilegalidade, mas um esquema financeiro internacional que está a seu serviço. Os laços estreitos que existem entre paraísos fiscais, empresas offshore e grandes bancos internacionais não podem ser negados. É inútil denunciar os paraísos quando operam com bancos reconhecidos, com presença em todo o mundo e que parecem estar à margem disso, mas não trabalham juntos. Quando o Papa denuncia o abuso das finanças, ele está apontando para o coração de Wall Street.

Mas Wall Street não está interessada no que o Papa tem a dizer, de que adianta sua palavra?

Começar a questionar todas essas coisas, começar a armar e organizar forças que contrastem com esse modelo doente e tentem vencer a disputa.

É como a história de Davi contra Golias ...

Sim, Francisco é como Davi, mas num espaço estratégico porque o Papa está localizado em um lugar que não é menos importante na hora de levantar essa disputa. Eu também acho que é necessário organizar-se de diferentes lugares. Como a Rede Antimafia da Argentina, com movimentos sociais e sindicais, assim como com outras organizações. Não é uma unidade apenas de líderes, mas uma unidade de baixo para cima, para que vários setores da sociedade possam verificar o esquema em sua base. Não é fácil, porque estamos falando de pessoas que lidam com centenas de milhões de dólares todos os dias.

Seria absurdo pensar que, mais cedo do que tarde, esses interesses promoverão uma resistência contra o Papa, mesmo que não seja aberto e descarado?

Sim, porque os grandes grupos de poder econômico concentrado veem a figura do Papa como uma ameaça. Ele está em um lugar estratégico e, com uma habilidade importante, questiona os fundamentos do sistema no qual esses grupos operam. É o individualismo acima de uma sociedade pensada em termos de bem comum e de partilha. Francisco põe em questão e fala de comportamentos coletivos, do outro, da necessidade concreta de apontar contra essas ferramentas que permitem o crescimento de organizações criminosas no mundo.

Não é um olhar muito teórico e global? Isso importa para as pessoas?

Toda essa macroeconomia, obscurecida pelo "deus do dinheiro" e correndo atrás dela, permite que as ligações entre o grande capital e o crime organizado se aproximem cada vez mais. Mas o resultado se percebe a partir da microeconomia, na realidade, todos os dias: naquele cara que vende drogas e acaba matando o vizinho em uma disputa no aumento dos níveis de insegurança e violência nos bairros, nas famílias. O Papa, oferece uma visão muito clara do mundo e essa visão segue em outra direção. Portanto, a disputa será necessariamente passar para os fatos, porque embora muitos desses poderes têm o cuidado de não criticar diretamente o Papa pelo papel que ela ocupa e a popularidade que tem, por baixo promovem a resistência ao seu discurso.

Nem todos os críticos representam o grande capital, uma certa "classe média" diz não entender o Papa, sua crítica ao capitalismo selvagem, de fato muitos olham para ele com desconfiança. A que se deve?

Nesse contexto é muito importante comunicar, levar a mensagem da "Laudato Si" a pessoas que não leem os documentos papais. Este escrito aborda muitas questões, não apenas religiosas, por isso deve ser transmitido não apenas das estruturas da Igreja, mas de outros espaços. Caso contrário, os setores de classe média confundidos e empurrados por essa lógica de se afastar e eximir do interesse por coisas públicas, no individualismo, acabam sendo vítimas do sistema.

Porque diz isso?

Por mensagens contraditórias que chegam a essas pessoas, por exemplo, acabam criticando a figura do Papa e inocentemente defendem, mesmo contra a vontade, que certas questões indefensíveis, como por exemplo, funcionários públicos proprietários de empresas "offshore" em paraísos fiscais. Ao fazer isso eles acabam, sem querer, defendendo estruturas que têm um impacto direto sobre as operações do crime organizado. Eles são os mesmos grupos que, depois, afetam eles mesmos em termos de segurança. Em casos como esse, grandes setores da "classe média" são ativados contra seus próprios interesses. Inocentemente, sem saber, pelo mar de confusão ao qual o sistema os conduz.

Trata-se então de mudar o sistema ou reformar o que já existe? Porque dizem que é absurdo questionar o capitalismo quando é o único sistema que "realmente funciona".

O mundo já teve esse debate sobre a oposição entre dois sistemas, capitalista e socialista. Tudo terminou como já sabemos. Hoje não há um modelo alternativo para o atual. Então, devemos estar mudando coisas para não deixar o capitalismo se torna selvagem e ao serviço das máfias que hoje, de acordo com algumas estatísticas, possuem o cinco por cento do produto interno bruto global. Se continuarmos assim o crime organizado se tornará cada vez maior, as suas ligações com o poder serão cada vez mais próximas e a simbiose entre a política e estes grupos será perigosamente completa. Os Estados trabalharão diretamente para eles e acabaremos em sociedades fragmentadas, violentas e invivíveis. Isso tem que ser interrompido o mais rápido possível.

Pode a palavra do Papa ajudar?

É muito importante em um contexto difícil. Logo após a crise econômica de 2008 algumas personalidades tinham começado a questionar o impacto da desregulamentação e os paraísos fiscais financeiros, mas agora todo voltou atrás. Confrontados com uma nova ascensão da cultura neoliberal que se torna muito perigosa, a figura do Papa é fundamental. Se Francisco não estivesse fazendo contrapeso, com sua visão, a situação seria ainda mais grave.

É realista pensar que as coisas podem mudar?

O Papa está onde ele está, chegou onde chegou, mas não podemos esperar que só isso baste para mudar o mundo. É uma tarefa que supõe muitas pessoas, cada um em seu lugar, criando células pequenininhas, mas na esperança de crescer, crescer e adicionar outros. Sim, o sistema que temos é capitalista, mas como sugere o Papa devemos começar a questionar as estruturas. Não se trata de acabar com as finanças e o crédito, por exemplo, mas de transformá-los e fazer com que funcionem ao serviço de uma sociedade melhor.

A "Laudato Si" tem algum tipo de impacto fora da Igreja?

Eu acho que sim, eu tinha que estar em várias reuniões em que a encíclica foi citada e antes nunca tinha visto nada parecido. Muitas pessoas não pertencem à Igreja e muitas vezes nem mesmo um católico leva em conta esse documento. A encíclica está começando a influenciar vários ramos do pensamento. Porém, no nível de operadores financeiros é ignorada completamente, em primeiro lugar porque eles não entendem, e depois porque, sem conhecê-la muito, muitos a assumem como um inimigo e a rotulam ideologicamente. Há muito disso.

A proposta do Papa é estigmatizada?

Sim, acontece através de redes sociais e mensagens cruzadas que começam a instalar certa estigmatização ideológica em direção à figura do Papa. Aí é importante fazer um contrapeso. Tentamos fazer isso a partir do conteúdo e do pensamento filosófico, mas você joga contra monstros capazes de ter impacto sobre milhões de perfis de Twitter ou de Facebook com uma forte capacidade tecnológica. Mas se tudo isso continua e não o frearmos a tempo, pode acabar muito mal.

Vatican Insider - Tradução: Ramón Lara

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