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Em tempos de tanto policiamento doutrinal é possível acompanhar o crescimento de cristãos e cristãs que se comportam como lobos e não como ovelhas.
Se Jesus é o Pastor, a constatação mais natural é a de nos afirmarmos ovelhas. (Reprodução/ Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*
Jesus se disse o Belo-Bom Pastor (cf. Jo 10,11). Jesus usa uma bela metáfora para dizer da inteireza com a qual cuida dos seus. Os pastores, no tempo de Jesus, eram pessoas marginalizadas: compunham uma classe, chamada pecadora, por não serem bons judeus. Geralmente eram pessoas sem instrução e, estes, não poderiam compreender as coisas de Deus, reservadas aos sábios, aos que se dedicavam ao estudo da Torá. Mas foram justamente esses os primeiros destinatários do nascimento do Salvador: só quem estava sob o manto do céu poderia perceber a estrela, naquela noite especial (cf. Lc 2,8ss).
Curiosamente, o profeta Ezequiel usa justamente da imagem dos pastores para dizer a respeito do agir de Deus: “Como o pastor toma conta do rebanho quando ele próprio se encontra no meio das ovelhas dispersadas, assim irei visitar as minhas ovelhas e as resgatarei de todos os lugares em que foram dispersadas em dias de nuvens e de escuridão” (Ez 34,12). Jesus, a visita de Deus, comporta-se como um pastor. O pastor verdadeiro não poupa a própria vida, quando o assunto é proteger o rebanho contra os ferozes predadores. O pastor coloca-se em risco, para a defesa do mais frágil; enfrenta intempéries, mas permanece junto do redil. Se Jesus é o Pastor, a constatação mais natural é a de nos afirmarmos ovelhas.
E assim Jesus o fez: numa linguagem iminentemente agril, o Mestre da Galileia se aproxima do cotidiano das pessoas, para revelar-lhes o Reino de Deus. As pessoas conheciam os pastores e sabiam como se comportam as ovelhas. Elas entendiam bem o que o Jesus estava dizendo. Para nós, pretensos seguidores e seguidoras de Jesus, uma imensa maioria que vive nos centros urbanos, talvez desconheçamos a força da relação que Jesus faz entre os discípulos e discípulas e as ovelhas. Em tempos de tanto policiamento doutrinal, não por parte da Instituição Eclesiástica, mas por setores bem expressivos dos fiéis – inclusos, clérigos, é claro! – é possível acompanhar o crescimento de cristãos e cristãs que se comportam como lobos e não como ovelhas.
No início do cristianismo, em tempos de perseguição, foi preciso uma postura apologética por parte de cristãos e cristãs, para expressar o que, de fato, significava o cristianismo, frente às forças opressoras. Quando não vivemos mais sob ameaça, ressurge um sem número de fiéis, numa impressionante cruzada apologética. Mas apologia não como defesa e explicitação da fé. Agora, a agressividade toma conta dos discursos. Muitos cristãos e cristãs não conseguem sair da defensiva: é por isso que agem de maneira tão agressiva diante do discurso diverso. Essa fé que precisa ser insistentemente defendida é frágil demais, não se sustenta sem a força.
São ferozes, como lobos. Espreitam, atacam. Jesus chama os que estavam sob os seus cuidados de ovelhas. E insiste para que se tenha cuidado com os lobos que se travestem na pele delas (cf. Mt 7,21). Ovelhas precisam de um cuidado atento: não têm mecanismos de defesa, não contra-atacam, são dóceis. Importante relacionarmos a imagem das ovelhas com as características que Jesus aponta para os que são discípulos e discípulas do Reino: mansidão, pureza de coração, promoção da paz, oferecimento da outra face, amor aos inimigos, oração em favor dos perseguidores... (cf. Mt 5). Comportarmo-nos como ovelhas corresponde a uma atitude espiritual: orientamo-nos somente pela voz do Senhor e a atendemos com doçura e cordialidade. Os lobos, pois, que se convertam!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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