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Clero feminino em breve?
Diaconisas já existem na Igreja Anglica e deverão ser ordenadas em breve pelo patriarca ortodoxo grego de Alexandria e toda a África, que já conferiu o subdiaconato a seis mulheres em 2017 (samdessordi/ Flickr/)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*
Nesta semana, o prefeito da Congregação para a doutrina da fé, o jesuíta Luis Ladaria Ferrer, afirmou com todas as letras em um artigo publicado pelo jornal oficial da Santa Sé, o L’Osservatore Romano: “A Igreja reconhece que a impossibilidade de ordenar mulheres pertence à substância do sacramento da ordem”. Uma vitória para aqueles que temiam uma abertura do Vaticano em relação à matéria. O prelado apenas confirmou o que já havia sido dito por João Paulo II na Ordinatio sacerdotalis, de 1994. Segundo o papa polonês, a igreja não possui a faculdade de conferir a ordenação presbiteral às mulheres .
“Em primeiro lugar, em relação ao sacerdócio ministerial, a Igreja reconhece que a impossibilidade de ordenar mulheres pertence à substância do sacramento da ordem. A Igreja não tem capacidade de mudar essa substância, porque é justamente a partir dos sacramentos instituídos por Cristo que foi gerada a Igreja”, disse Ladaria.
No entanto, tal decisão praticamente coincide com a próxima reunião da comissão sobre o diaconato feminino, instituída por papa Francisco em 2016, que está marcada para a próxima semana. Pensando nisso, o veredito de Ladaria - que, por sinal, é presidente da comissão desde que ela foi criada -, levanta alguns questionamentos. O primeiro é se o artigo seria uma resposta prévia contra todas as aberturas que seriam propostas pela comissão, inclusive sobre o conferimento do diaconato feminino. O segundo é se tal decisão trate-se de uma manobra para acalmar os ânimos. Neste caso, impedindo de uma vez por todas o acesso ao segundo grau do sacramento da ordem - o presbiterato -, entraria para a pauta de discussão, sem muitas tensões, a possibilidade de concessão do diaconato permanente - seguindo a práxis da igreja latina, atualmente aplicada a homens casados - ou do subdiaconato - seguindo a práxis da Igreja Ortodoxa e da Igreja Católica no Oriente, que considera esse título o grau mais elevado dentro das chamadas ordens menores. Lembrando que o subdiaconato, considerado por muito tempo uma ordem maior pela igreja latina, foi extinto por Paulo VI em 1972 juntamente com as ordens menores, dentre as quais se mantiveram os atuais ministérios do acolitato e do leitorato. Seria, portanto, o caso de repropor o subdiaconato, só que, desta vez, voltado de maneira exclusiva às mulheres? Seria o caso de formalizar uma diaconia que muitas mulheres já exercem?
Se a decisão de Ladaria visou ou não a próxima reunião da comissão, a coincidência não passou despercebida. A verdade é que tal questão confirma a necessidade de discutir o diaconato católico em todas as suas expressões, seja o permanente quanto o provisório. Que tipo de papel, além daquele ligado às questões formais e litúrgicas, o diácono deveria desempenhar?
Nos primeiros séculos do cristianismo, o diácono era aquele que se dedicava à pregação, à administração dos bens, à distribuição da eucaristia e às obras de caridade. Na idade média, tal função passou a ser interpretada apenas como um status provisório de preparação para o sacerdócio. Ainda na Igreja primitiva, sobretudo na parte oriental, alguns historiadores do cristianismo atestam a presença de diaconisas, as quais exerciam algumas funções semelhantes àquelas delegadas aos diáconos. Na fonte canônica Didascalia apostolorum, do século III, se fala claramente da presença de diaconisas, porém enfatiza-se que tais mulheres não poderiam chegar ao sacerdócio. A elas cabia a tarefa de auxiliar as mulheres durante a cerimônia de batismo.
“Os diáconos são os ouvidos e a boca do bispo. O fiel deve passar através deles para chegar ao bispo. Da mesma maneira, as mulheres devem chegar ao bispo através das diaconisas.” (DA 3, 12, 1-4)
Fontes do século IV chegam a dizer que essas mulheres não serviam o altar, mas distribuíam a comunhão aos doentes. O caso da diaconisa Olímpia, amiga de São João Crisóstomo, que teria recebido a “imposição das mãos” por parte deste padre da Igreja, é uma questão a ser estudada. Alguns historiadores afirmam que tal episódio confirmaria que as diaconisas, enquanto ordenadas, assumiam o mesmo papel dos diáconos na comunidade cristã. Já a Comissão Teológica Internacional, mesmo tendo deixado muitas questões sobre o tema em aberto, concluiu, em 2003, que o diaconato feminino era diferente daquele exercido pelos homens e que tal atitude dos bispos da época se tratava de uma bênção especial conferida a essas mulheres, não de um rito de ordenação.
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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