quinta-feira, 21 de junho de 2018

Copa do desânimo

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Teorias sociológicas cunhadas por cientistas de Facebook atribuem o desânimo para com a Copa devido à corrupção e às mazelas do povo.
Exposição '100 anos Athos Bulcão' está em cartaz no CCBB-BH
Exposição '100 anos Athos Bulcão' está em cartaz no CCBB-BH (Divulgação/ Vicente de Mello)
Por Gilmar Pereira

Será mesmo que as pessoas estão desanimadas com a Copa? Há quem diga que sim porque não se veem ruas enfeitadas nem grandes manifestações de apoio à seleção. Teorias sociológicas cunhadas por cientistas de Facebook atribuem o fato à corrupção e às mazelas do povo.  A questão pode ser bem outra.

Em primeiro lugar, precisamos considerar que fenômenos sociais são complexos e têm respostas do mesmo tipo. Nem sempre algo tem um único fator que o desencadeia, mas uma combinação. Nesse caso, o fato observado, o baixo engajamento nacional da torcida brasileira, pode ter mais de uma razão. Se a questão política é levantada, podemos começar com ela.

Vivemos tempos de polarização política em que um espectro político-econômico gigantesco é reduzido a estereótipos de Direita e Esquerda. Grupos importantes alimentam essa dicotomia a fim de conglomerar apoio popular por meio da rejeição ao seu oposto. “A corrupção atual é fruto da Esquerda, venham para a Direita” – estereotipam uns. “A Esquerda foi vítima de golpe, fujam da Direita” – dizem outros sem autocrítica. Apesar disso mover paixões exageradamente, a ponto de haver conflito, a verdade é que grande parte das pessoas não se sente representada por ninguém.

Os tempos atuais são marcados pela crise da representatividade. Com as redes sociais todos se sentem capazes de opinar e reivindicam seu direito a voz, a ser ouvido. Por isso, querem que sua demanda individual seja realizada por quem os representa. Contudo, toda representação precisa ignorar alguns desejos particulares para ter um projeto mais ou menos coeso e harmônico. Um cristão, por exemplo, pode se ver sem ter em quem votar se for contra aborto e favorável a direitos de minorias.  Nesse caso, geralmente, quem representa tais direitos tendem a incluir o direito das mulheres sobre o próprio corpo, enquanto grupos contrários a avanços sociais tendem a adotar o discurso chamado “pró-vida”. E esse é o problema, ninguém quer mais comprar um combo, ninguém quer se ver obrigado a aceitar uma coisa por causa de outra. Todos querem personalização.

O desejo de personalização é somado ao individualismo crescente na sociedade. Não se quer ser penalizado ou pesado por uma demanda alheia. Por isso conviver tem sido tão difícil. É crescente o discurso de afirmação individual sobre os demais, o que é perigoso, porque o senso de coletividade é importante para a harmonia social e a consequente proteção individual. A classe média não quer se ver sobrecarregada de impostos que os mais pobres não podem pagar, desconsiderando as sonegações e outros benefícios concedidos às classes ricas (pois ela própria quereria tais privilégios). Os ricos não querem pagar e discursam que não se utilizam do aparato do Estado e que são eles que geram riqueza (o que alguns julgam motivo para sonegação). Falácias individualistas.

Em resumo, a sociedade brasileira está numa fase individualista e não se vê representada politicamente, importam mais as demandas individuais que coletivas e não se abraça um projeto de nação, mas se conglomera um rebanho em oposição ao outro. Nesse cenário, seria oportuno torcer para a seleção nacional, como um ícone do que somos como país, e assim pacificar ânimos. Por isso a mídia se esforça em mostrar histórias de superação dos jogadores, dizendo que o brasileiro sofre, mas consegue ir além. Ou então trata um jogador como criança, para dar uma sensação familiar; todos são meio que pais ou irmãos do “menino Neymar”, homem bilionário de 26 anos (Já falamos de sonegação?).

Um time reúne a torcida porque ele é mais que 11 jogadores em campo; um time representa ideias, visão de mundo, modos comportamentais e estéticos. Não é atoa que se fala de nação para se referir aos adeptos de um time. Há uma questão identitária na qual a torcida e cada torcedor individualmente se vê representado pelos jogadores em campo a ponto de assumir a vitória como algo pessoal: “Nós ganhamos”. Acontece que para a mesma identificação acontecer com a seleção, há de se ter a mesma relação. Contudo, qual a identidade da seleção? Que ideia de Brasil ela representa? Sinto-me parte desse todo por meio dela?

Fala-se muito que os jogadores perderam amor à camisa e que seu interesse é meramente financeiro. Isso os distanciou da torcida. Escândalos envolvendo a CBF fizeram com que a entidade passasse a ser a antítese do que se espera de sua representação. Olha-se a seleção e não se vê nela o Brasil. Ela não revela mais nada do que entendíamos como identidade nacional e que nos fazia sentir um com ela. Aliás, podemos falar de identidade nacional ou mesmo de identidade? A ideia do brasileiro como povo pacífico sabemos ser lenda. Os heróis nacionais tiveram suas histórias auteradas para servirem de modelo. A noção de união de raças consiste no mito da miscigênação pacífica que invisibiliza as desigualdades. Nem nosso português é igual do Oiapoque ao Chuí. Fala-se de muitos "Brasis".

Talvez não estajamos propriamente desanimados com a Copa. Talvez estejamos numa crise de identidade e olhamos para aquilo que nos servia de espelho, a seleção, por exemplo, e não nos reconheçamos. Isso porque, muito possivelmente, nem esse espelho nos sirva mais, como também nosso rosto seja outro. Mal sabemos nossa história e quem somos e caminhamos para um futuro em que não sabemos o que queremos ou podemos ser. Sentimo-nos meio perdidos, meio sós. Aí a gente abre a cerveja, dá um grito de gol, comemora, mas não se empolga.

100 anos de Athos Bulcão

Diversas personalidades contribuiram na história nacional, perscrutando nossas raízes e elevando as culturas desenvolvidas no país a uma noção do que chamamos identidade. Pode-se falar de um modo brasileiro de criar. Alguém que pode ser mencionado é o artista Athos Bulcão, conhecido pelas obras em Brasília que dialogam com a arquitetura de Niemayer. Ele que conviveu com diversos nomes fortes das artes do país, desde Monteiro Lobato em sua infância à Portinari de quem foi assistente, apresenta obras tipicamente brasileiras, mesmo que também tenha influências externas como a Escola de Bauhaus ou mesmo do Surrealismo. Conhecer as obras de Athos nos permite olhar um pouco de nossa história, particularmente do projeto de país que se queria quando da construção da capital da nação, e daquilo que tentamos cunhar como espírito nacional.

Exposição

Em comemoração à trajetória de Athos Bulcão o CCBB começa 2018 em  grande estilo, homenageando o artista com uma exposição que reúne  mais de 300 obras, incluindo material inédito. Será mostrada a  conexão entre suas obras e sua poética. Será possível visualizar  seu caminho no Brasil e exterior, desde sua inspiração inicial  pela azulejaria portuguesa, seu aprendizado sobre utilização das  cores, quando foi assistente de Portinari, até as duradouras e  geniais parcerias com Niemeyer e João Filgueiras Lima.

Essa homenagem a Athos resgata o valor individual dessa arte  única, que foi produzida no Brasil; sua importância no panorama  da visualidade moderna, além da valorização e reconhecimento à  manutenção da memória nacional.

Com curadoria de Marília Panitz e André Severo, a exposição “100  anos de Athos Bulcão”, realizada pela Fundação Athos Bulcão e  produzida pela 4 Art, fica em exibição no CCBB-BH até 24 de junho de 2018.

Serviço

Exposição 100 anos de Athos Bulcão
Local: CCBB-BH, Praça da Liberdade, 450 – Funcionários
Horário: 9h às 21h
Entrada: Gratuíta. Retirar entradas no site do Eventim
Informações: CCBB-BH

Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF e em Teologia pela FAJE. Apaixonado por arte, cultura, filosofia, religião, psicologia, comunicação, ciências sociais... enfim, um "cara de humanas". Escreve às sextas-feiras.

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