segunda-feira, 25 de junho de 2018

Mais um episódio na farsa do Conselho de Direitos Humanos da ONU

domtotal.com
Haley acusou o Conselho de ignorar e até apoiar países que violam os Direitos Humanos.
Nikky Haley, embaixadora na ONU.
Nikky Haley, embaixadora na ONU. (Reuters)
Por José Couto Nogueira*

Na terça feira Nikky Haley, embaixadora na ONU e Mike Pompeo, Secretário de Estado (Ministro dos Negócios Estrangeiros), anunciaram que os Estados Unidos se retiram do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Numa declaração de nove minutos, Haley acusou o Conselho de ignorar e até apoiar países que violam os Direitos Humanos e de não ser imparcial em relação ao seu país e a Israel.

A questão de Israel já se arrasta há anos; o CDHNU apresentou mais propostas de condenação de Israel (pelas suas ações contra os palestinos) do que contra todos os outros países juntos. Quanto aos Estados Unidos, o CDHNU veio agora considerar a detenção de crianças filhas de imigrantes ilegais, e foi esta gota de água que levou a Administração Trump a fazer o que já vinha a ameaçar há algum tempo.

É verdade que o CDHNU está longe de ser isento e parece ter uma antipatia especial por Israel, deixando passar sem comentários outras situações de espezinhamento dos Direitos Humanos, definidos na Carta das UN, em países com situações tão evidentes como a Venezuela, Cuba, Egipto, China e Rússia – isto para mencionar apenas os que Nikky Haley citou, pois, se se for a verificar com alguma atenção, a lista de prevaricadores é extensíssima. Está certa, a embaixadora, quando diz que se trata de “uma organização hipócrita que só defende os seus interesses e zomba dos Direitos Humanos.”

O Conselho, criado em 2006, para substituir uma Comissão igualmente enviesada, é formado por representantes de 47 países, escolhidos em mandatos diferidos de três anos, por decisão da Assembléia Geral. Basta ver a lista dos países que fazem ou já fizeram parte do Conselho para se ver imediatamente que se trata dum daqueles organismos de fachada em que os objetivos nunca poderão ser alcançados. Atualmente encontramos, por exemplo, o Senegal, Paquistão, Ruanda, Kirziguistão e Venezuela, e mais uma dúzia do mesmo quilate. Para não falar dos presidentes da Comissão, que já incluíram El Salvador e o Gabão.

Sempre foi reconhecido, tanto por ONGS como por organizações de monitoramento de Direitos Humanos, tais como a Anistia Internacional, assim como por inúmeros observadores, que o Conselho precisa de reformas profundas para justificar a sua existência. No entanto também não tem sido completamente inútil, ao chamar a atenção para situações graves que depois podem ser analisadas no Conselho de Segurança.

Desta vez, portanto, os Estados Unidos têm razão em criticar, mas mesmo entre os decisores norte-americanos há quem ache que o melhor seria ficar dentro e propor mudanças, do que sair, perdendo qualquer hipótese de se fazer ouvir. É o caso do congressista David Cicilline, democrata de Rhode Island, que acha que assim o seu país não poderá dizer nada em relação aos “abusadores flagrantes dos Direitos Humanos” que orientam as propostas do CDHNU. Diz ele: “O Conselho não é perfeito, mas é muito melhor permanecer e manter a influência dos EUA, que teve um efeito positivo desde a sua entrada, em 2009, do que ceder o fórum a países que não têm qualquer interesse em proteger as liberdades fundamentais.”

Os especialistas estão mais ou menos de acordo que a saída dos Estados Unidos, se não provoca um terremoto no CDHNU, também não faz grande diferença, pois o país, que entrou tarde, nunca se empenhou muito na organização; o seu papel foi sobretudo de proteger Israel das constantes propostas contra a sua ação na Palestina. Um dos membros das subcomissões do Conselho, questionado pela BBC, diz que lamenta a saída dos norte-americanos mas não vê que esse gesto tenha qualquer efeito nos que ficaram nem levará às tão ansiadas reformas.

O CDHNU é mais um daqueles organismos que só existem para abonar uma espécie de “boa consciência” internacional e justificar alguns simpáticos empregos a diplomatas e apaniguados dos governos de muitos países.

No entanto, muito pragmaticamente, mesmo assim talvez seja melhor que exista do que não exista. O futuro o dirá.

Todavia, este gesto dos Estados Unidos também é visto como parte do afastamento que a Administração Trump tem praticado em relação às Nações Unidas e aos seus diversos órgãos. É publico que John Bolton, o atual Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, e que já foi embaixador nas UN (na Administração Bush filho), tem um enorme desprezo pela organização. Não lhe custaria nada abandoná-la, o que seria um terrível golpe – não porque os Estados Unidos tenham assento no Conselho de Segurança mas porque são os maiores contribuintes para as despesas do organismo.

Seria impensável que a ONU existisse sem a presença do país que ainda é o mais poderoso do mundo; mas não é impensável que Trump considere essa hipótese. Afinal de contas, em ano e meio, o Presidente já saiu do Acordo Climático de Paris, do acordo nuclear do Irão e do Tratado de Comércio Ásia/Pacífico. Está a renegociar o Acordo Norte Americano de Comércio, NAFTA, impôs impostos de importação a produtos europeus e chineses e parece mais amigável com os inimigos dos norte americanos, como Putin ou Kim Jong-un, do que com os tradicionais aliados.

Nesta mudança das prioridades norte-americanas, o CDHNU é apenas outra vítima. A sua irrelevância apenas se tornará mais evidente – e, num mundo de aparências, as evidências contam.

*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário