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Padre relata sua experiência acompanhando o tour da relíquia de São Francisco Xavier pelo Canadá
A maioria das culturas não-ocidentais, não afetadas pela divisão cartesiana entre espírito e corpo (das quais somos todos herdeiros), parece ter um saudável senso para a importância da encarnação. (Arquidiocese de Montreal)
Por John O'Brien, S.J.
Eu me encontrei pela primeira vez com o braço no lobby de um Holiday Inn em Winnipeg. Mesmo escondido em seu relicário blindado, atrás de uma caixa de acrílico, envolta em uma capa de lona retangular, o senso do antigo e do sagrado me atingiu visceralmente. Sem pensar, comecei a orar.
O braço pertencia a São Francisco Xavier, um companheiro de Santo Inácio de Loyola, que viajou milhares de quilômetros como missionário no Extremo Oriente. Xavier era inigualável em sua capacidade de chamar as pessoas para Cristo ou aprofundar a fé existente. Ele batizou quase 100.000 almas com aquele braço e abençoou incontáveis outras.
Quando me pediram para acompanhar um braço de 465 anos pelo Canadá, vários medos e perguntas passaram pela minha cabeça. O que as pessoas vão pensar sobre nós promovendo relíquias no século 21? E se isso for um desastre de relações públicas para a Igreja Católica em nosso país secular? Como será a segurança do aeroporto e os aviões (o braço tem seu próprio assento) com esse artefato humano? O que exatamente eu acredito sobre esses objetos religiosos, e como posso articulá-lo nas entrevistas que se seguiriam?
Mas eu também sabia que era uma rara oportunidade de promover vocações, que é minha tarefa atual como jesuíta. Um passeio devocional em paróquias e universidades em todas as grandes cidades da nossa vasta nação? Você não poderia deixar de promover esse tipo de acesso ao povo de Deus, e tudo sob as graças de Xavier, um dos santos mais populares e carismático co-fundador da Companhia de Jesus.
A ideia da peregrinação foi concebida pelo arcebispo jesuíta Terrence Prendergast de Ottawa e organizada pelo movimento universitário Catholic Christian Outreach. Fui convidado para ser o representante dos jesuítas nesta excursão de costa a costa. Dentro dos 100.000 folhetos brilhantes impressos para os eventos, três intenções foram propostas: conversão de corações, cura pessoal e criação de novos discípulos missionários. O último objetivo ajustou-se perfeitamente ao meu mandato.
Quando entrei no tour em meados de janeiro em Winnipeg, estava 22 graus abaixo de zero. O frio aumentou meu nervosismo em relação a um empreendimento exótico, repleto de muitas incógnitas. No entanto, desde o início, havia indícios de que algo poderoso estava acontecendo. Quase mil jovens adultos participaram da conferência onde a relíquia estreou, mostrando notável reverência e emoção. A emissora nacional, CBC, mostrou, em seu noticiário noturno, tons surpreendentemente respeitosos, embora um pouco excêntricos. Os organizadores locais foram aconselhados a se prepararem para turnos maiores que o esperado e em uma paróquia de Toronto, 14.000 católicos de ascendência goesa saíram para venerar a relíquia em uma tarde.
Nas cidades de todo o país, grandes multidões traziam suas petições escritas de orações e as encostavam no vidro por alguns segundos, depois as depositavam em cestas que posteriormente seriam distribuídas para comunidades religiosas de vida contemplativa por todo o Canadá. A segurança para o evento em Winnipeg foi fornecida por um grupo de entusiastas de motocicleta, os Knights of Columbus, com cavanhaques e bordados de motoqueiros. Um membro do clube, que passou 12 horas levando as pessoas à relíquia, partiu no final do dia com lágrimas caindo pelo rosto. Ele nos disse que tinha sido o dia mais importante de sua vida. Havia muitos outros como ele.
Quando tive minha primeira de muitas entrevistas na mídia, tentei explicar por que os católicos estavam saindo para ver um braço mumificado. Eu disse aos repórteres que é muito católico ter uma experiência espiritual através de coisas tangíveis, que todo o nosso sistema sacramental tem como premissa uma perspectiva encarnacional. Já que acreditamos que “o Verbo se fez carne”, não é muito difícil acreditar que o material e a carne podem nos levar de volta à Palavra. Eu disse que os católicos têm instintos profundos e memórias longas e que os santos evocam graças ancestrais.
Pediram-me para dar palestras nas cidades que visitamos, comentando os detalhes da vida de Xavier e explicando as raízes teológicas de nossa tradição de venerar relíquias. Aprendi que era uma prática profundamente escriturística, voltei ao Antigo Testamento quando um homem morto foi misteriosamente restaurado à vida quando foi colocado sobre os ossos de Elias. O instinto judaico de reconhecer Deus trabalhando no mundo material é mantido nos Evangelhos, como quando Jesus cospe em seus polegares e os esfrega nos olhos de um cego, restaurando sua visão. Ocorre quando a mulher com a hemorragia sabe que precisa apenas tocar o manto de Jesus para ser curada. A igreja primitiva também cuidava dos ossos dos seres queridos que tinham partido e recebiam deles graças especiais ligadas à sua presença.
A cura é necessária hoje no Canadá entre os povos indígenas e não-indígenas. Um dia na visita da relíquia, eu estava ouvindo a confissão de uma mulher que pediu para rezar o ato de contrição na língua Cree. Movido por seu pedido, lembrei-me de São Jean de Brébeuf e dos outros missionários jesuítas da América do Norte, que perceberam a grande reverência que o povo nativo tinha pelos ossos de seus mortos. A maioria das culturas não-ocidentais, não afetadas pela divisão cartesiana entre espírito e corpo (das quais somos todos herdeiros), parece ter um saudável senso para a importância da encarnação. Talvez Xavier estivesse trabalhando para nos reconectar hoje, a Deus, à criação e uns aos outros.
Enquanto temos um pouco de iluminação sobre a importância dos ossuários pelos santos da América do Norte, a Europa está coberta de santuários e túmulos que testemunham a crença cristã de longa data na intercessão dos santos através da veneração de seus restos terrestres. No entanto, mesmo no Canadá, os ossos do próprio Brébeuf são visitados por centenas de milhares todos os anos em Midland, Ontário. O instinto pode estar enterrado, mas a atração pelas relíquias sagradas perdura.
Em seus Exercícios Espirituais, Santo Inácio encoraja a devoção aos santos, incluindo suas relíquias. Este não foi apenas um movimento estratégico da Contrarreforma. Depois de ouvir incontáveis confissões, conversas e testemunhos durante o tour, agora acredito que ele estava sublinhando uma verdade profunda: que os santos sempre estarão conosco, passando seu tempo no céu e bastante ativos na Terra. Nós ativamos seu poder dizendo seus nomes e passando tempo com eles. É parte do mistério de pertencer à grande família de crentes que atravessam a terra e o céu, todos trabalhando juntos para o nosso bem coletivo.
No final da visita da relíquia, o país havia sido examinado, os livretos haviam sumido, a cobertura da mídia tinha sido positiva e respeitosa. Até mesmo muitos dos funcionários da companhia aérea e da segurança queriam tocar a caixa das relíquias por conta própria. Francamente, eu estava cansado. Mas meu coração estava incomumente cheio. Às vezes você semeia e outras vezes você colhe. Um tremendo trabalho de semear havia acontecido, pelo que espero ver uma colheita abundante de conversões, curas e vocações. Sobretudo, no entanto, descobri que minha própria fé havia sido incendiada, para seguir os passos de Francisco Xavier e espalhar o Evangelho por toda parte.
America Magazine - Tradução: Ramón Lara
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