quinta-feira, 26 de julho de 2018

Escravidão moderna: 40,3 milhões de razões para você se escandalizar

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A escravidão é condenada por diversos países desde os movimentos abolicionistas do século XIX, mas não foi extinta.
71% das pessoas em situação de escravidão moderna no mundo são mulheres.
71% das pessoas em situação de escravidão moderna no mundo são mulheres. (Reprodução/ OIT)
Por Élio Gasda*

A escravidão é a configuração máxima de desigualdade e existe dentro de uma combinação de pressões políticas, econômicas, sociais, culturais e religiosas. Está vinculada a algumas das questões mais complexas enfrentadas pelos governos nacionais e autoridades mundiais. O crime é condenado por diversos países desde os movimentos abolicionistas do século XIX, mas não foi extinto. “Os valores proclamados na Revolução Francesa, ou nas diversas declarações de Direitos Humanos de países e de organismos internacionais continuam sendo letra morta em muitos lugares” (Ricardo Rezende).

Pesquisa recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Fundação Walk Free, em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), revela números da escravidão moderna em todo o mundo. Os dados mostram que 40,3 milhões de pessoas foram vítimas de algum tipo de escravidão em 2016. De acordo com o documento, a escravidão moderna é mais comum na Coreia do Norte e em outros países de regimes repressivos, mas as nações desenvolvidas também são responsáveis porque importam 350 bilhões de dólares em mercadoria produzidas em circunstâncias suspeitas. Na Coreia do Norte, por exemplo, 104 em cada mil pessoas viviam em tais condições.

O Brasil é líder na América Latina em número absoluto. São 369 mil pessoas em situação análoga à escravidão. Proporcionalmente, o país tem 1,8 pessoa por mil habitantes, escravizada. Na “Lista Suja” brasileira de trabalho forçado, Minas Gerais lidera com 42 nomes das 166 pessoas jurídicas ou físicas que mantinham mais de mil pessoas em situação análoga à escravidão. “A identidade desses homens que se tenta coisificar, pode não ser a cor da pele, nem a religião; mas, a pobreza, a exclusão às riquezas e ao bem estar, reservados a outros” (Ricardo Rezende).

A escravidão moderna refere-se a situações em que uma pessoa tira a liberdade de outra (de controlar seu corpo, de escolher ou recusar determinado trabalho e ainda de parar de trabalhar). A liberdade é tirada por ameaças, violência, coerção, abuso de poder e engano. São muitos os conceitos jurídicos para definir escravidão moderna e esses incluem trabalho forçado, servidão por dívida, casamento forçado, tráfico de seres humanos, escravidão ou práticas semelhantes à escravidão.

Uma em cada quatro vítimas da escravidão moderna são crianças (cerca de 10 milhões). A venda e o tráfico de crianças ou o recrutamento compulsório de crianças para uso em conflitos armado; o uso, a procura ou oferta de uma criança para atividades ilícitas, em particular para a produção e tráfico de drogas; o trabalho que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que é realizado, possa prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças. Mas quando uma criança em condição de risco é adotada por um casal homossexual, as críticas, julgamentos e a condenação são certas.

O ato de recrutar, transportar, transferir, abrigar ou receber uma pessoa, por qualquer meio coercitivo (sob ameaça, uso de força, engano ou abuso) para fins de exploração por trabalho forçado, remoção de órgãos, exploração sexual, é trafico de seres humanos.  Mas quantos trazem aquela moça “coitada, da roça, precisando de ajuda” para trabalhar em sua casa a troco de cama, comida e banho? O trabalho doméstico muitas vezes é a camuflagem do tráfico humano, do trabalho escravo. De acordo com a Walk Free, 71% das pessoas em situação de escravidão moderna no mundo são mulheres. São escravizadas também nas indústrias do vestuário, agrícola e em muitos outros setores. Vergonha!

O problema é muito difícil, mas não impossível de ser combatido. Os governos devem fazer mais, e a sociedade deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para acabar com a escravidão moderna. A hora é de agir e trabalhar juntos. Escandalize-se com a escravidão, não com a orientação sexual. A escravidão não faz parte do plano de Deus. Cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus e deve ser tratada com amor e respeito. Quem ama a Deus deve lutar contra a opressão (Isaías 58,6), pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito (1 Coríntios 12,13).

 Os cristãos, o que fazem para combater o trabalho escravo de tantos filhos de Deus? O compromisso dos cristãos deve ser comum: erradicar todas as formas de escravidão moderna. “A Igreja deve se comprometer nessa tarefa […]. Nós cristãos, todos juntos, somos chamados a desenvolver cada vez mais uma maior colaboração para superar as desigualdades e discriminações”, precisamente o que favorece a escravidão. "Juntos podemos construir uma sociedade renovada e orientada à liberdade, à justiça e à paz” (Francisco 05/2018 mensagem de vídeo para fórum “Velhos problemas no novo mundo”). Escandalizem-ze!

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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