segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A amamentação espiritual urgente e necessária

O beabá da fé não pode ser considerado, atualmente, pressuposto. Esse é um erro fatal de nossa prática catequética e litúrgica.


Como verdadeira educação da e para a fé, é preciso insistir nos eixos fundamentais da fé. Trata-se de alimentar, com o leite espiritual, aqueles e aquelas que já deveriam estar preparados para alimentos sólidos.
Como verdadeira educação da e para a fé, é preciso insistir nos eixos fundamentais da fé. Trata-se de alimentar, com o leite espiritual, aqueles e aquelas que já deveriam estar preparados para alimentos sólidos. (Leandro Cesar Santana by Unsplash)
Por Felipe Magalhães Francisco*
Temos insistido, neste espaço, na necessidade urgente de uma volta à pessoa de Jesus Cristo, pelo cristianismo e, logo, pelos cristãos. No atual cenário político-social brasileiro, temos podido acompanhar a mentalidade e o comportamento de muitas pessoas que praticam as religiões cristãs, mas que compartilham posturas, pensamentos, preconceitos que vão na lógica bastante contrária ao Evangelho. Aqui, temos uma questão importante: se o cristianismo se reduz à prática religiosa, há grandes chances, tal como estamos vendo, de ocorrer uma dissociação entre crença – porque não se trata, nesse caso, de fé – e vida. Cristianismo, importa dizer, é estilo de vida, em primeiro lugar, seguimento, comprometimento existencial com a causa de Jesus e seu Reino.
Em todos os tempos da história do cristianismo, tal risco de dissociação se deu. Não se trata, pois, de uma questão apenas de nosso contexto sociocultural. O que assusta, em nosso atual momento, é a radicalização de contravalores fundamentais ao Evangelho: a violência e a destruição do outro, indesejado socialmente, em nome da defesa de, pasmem, ideias que se aparentam como cristãs. Há uma obsessão temática a respeito do aborto, por exemplo, que torna todas as outras questões de direitos humanos extremamente relativizadas: é uma lógica ilógica. E, na busca por criar um bode expiatório, que seja responsabilizado e culpado por todas as nossas mazelas, acabamos por nos aliar a, justamente, aquilo que há de pior em desumanidade.
Há tempos, a Igreja latino-americana tem insistido na importância da evangelização daqueles que já foram catequizados. Mas há um entrave estrutural – de modelo de Igreja que ainda não superamos – que nos impede de avançar nessa questão tão fundamental: a iniciação à vida cristã, para além da sacramentalização. Toda mudança estrutural exige tempo e um comprometimento com a causa. Para superar essa situação secular de incipiente iniciação à vida cristã, como verdadeira educação da e para a fé, é preciso insistir nos eixos fundamentais da fé. Trata-se de alimentar, com o leite espiritual, aqueles e aquelas que já deveriam estar preparados para alimentos sólidos. O beabá da fé não pode ser considerado, atualmente, pressuposto. Esse é um erro fatal de nossa prática catequética e litúrgica.
Esse é o aporte que nos dá a Carta aos Hebreus, voltada, num primeiro momento, para os cristãos e cristãs saudosos das práticas e costumes rituais judaicos, em esquecimento do valor fundamental trazido pelo encontro transformador, e inaugurador de um novo tempo e realidade em Cristo. O apelo que a Carta faz encontra lugar nas interpelações próprias de nosso tempo, em que enfrentamos tal situação de radicalização da violência e do discurso de ódio por cristãos e cristãs, inclusive lideranças religiosas, formadoras de opinião. A urgência está clara: voltar à pessoa de Jesus de Cristo, o Crucificado-Ressuscitado, e, diante do encontro transformador, assumir os princípios fundamentais da fé.
Na perspectiva da Carta aos Hebreus, aqueles e aquelas que já foram batizados, recebendo o dom celeste, e decaíram (= colocam-se contrários àquilo que é próprio da fé), continuam a crucificar e a expor Jesus, o Filho de Deus, às injúrias (cf. 6,5-6). Essa é a gravidade do que estamos vivendo: ao apoiar que a violência e o ódio sejam institucionalizados pelo Estado, por exemplo, cristãos e cristãs se unem ao coro dos que condenam aquele que deveria ser seu Mestre e Senhor à tortura e à morte. Ao voltarem-se contra aqueles que são assumidos como seres de categoria inferior, por contrariarem a lógica cultural do statu quo, acabam por condenar o próprio Cristo, irmão e amigo dos injustiçados e excluídos, à exclusão e ao padecimento.
Contudo, a esperança é a âncora da alma (cf. Hb 6,19). E Deus, que não é injusto, reconhece e não se esquece de toda e qualquer capacidade de conduta de amor, que todos nós chegamos a manifestar. Essa compreensão deve ser inspiração a que levemos à plenitude nossa esperança, a verdadeira esperança, e que nos coloquemos, existencial e vitalmente, comprometidos com o seguimento de Cristo (cf. Hb 6,9-12). É nesse sentido que aqueles irmãos e irmãs já mais configurados à vida de Jesus, comprometam-se com a educação da fé daqueles e daquelas que ainda não têm condições espirituais de se alimentarem com alimentos sólidos, a fim de que também alcancem a perfeição adulta da fé (cf. Hb 6,1). Que abracemos esta urgência!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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