segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A desintegração do mundo e o plantio de jabuticabeiras

domtotal.com
A palavra escrita e falada é minha principal trincheira, no meu compromisso existencial e de fé com a educação.
Este é o melhor dia que temos. Aproveitemos para plantar jabuticabeiras!
Este é o melhor dia que temos. Aproveitemos para plantar jabuticabeiras! (Divulgação / Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Há uma fala, atribuída a Martinho Lutero por alguns e a Martin Luther King por outros, que diz que, ainda que se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, que se plantaria, hoje, uma macieira. Na liberdade poética à qual agora recorro, trocaria macieira por jabuticabeira, esse fruto tão nosso. Atualmente, quando se popularizou o costume das chamadas estaquias, não sofremos mais com a demora da frutificação das jabuticabeiras. Mas há quem lembre que, o plantio de uma muda “comum” de jabuticabeira levava, pelo menos, dezoito anos para dar frutos. Muitas vezes, quem plantava jamais usufruía de seus frutos.

Assim, ainda que soubesse que o mundo chegasse à destruição amanhã, não me pouparia de plantar minha jabuticabeira. Neste exato momento em que escrevo este texto, não faço ideia de qual o resultado do pleito eleitoral. O que carrego é apreensão e uma comedida esperança, de que, quando o artigo for publicado, que os brasileiros e brasileiras com espírito democrático possam estar respirando já com alguma tranquilidade e alívio. Escrever, agora, enquanto tudo ainda é indecisão e nebulosidade, é meu compromisso de plantio de minha jabuticabeira: não sei se eu mesmo usufruirei de seus frutos ou se alguém irá, mas ainda assim planto. Esse é o lugar da fé-confiança, que reclama uma esperança ativa.

A palavra escrita e falada é minha principal trincheira, no meu compromisso existencial e de fé com a educação. Fora da educação não há mundo novo possível, o mundo novo de nossos sonhos. E o mundo, esse cheio de significados e valores, só nós, os que nos pretendemos humanos possuímos, por isso também a importância de nos comprometermos com o cuidado com o mundo-casa, habitação de toda a vida que conhecemos e a da que desconhecemos. Na atual conjuntura social de nosso país, já somos todos perdedores, numa onda de desumanização e politização do ódio: a violência se tornou estandarte de campanha e já fez suas vítimas. Vítimas humanas, animais – que nada têm a ver com a questão eleitoral –, e a própria democracia. Nosso mundo já sofre.

Independentemente de qual o resultado eleitoral, temos muito trabalho pela frente. E esse trabalho só será possível, se compreendermos que a educação – em tudo o que essa palavra significa – é o único caminho possível para que transformemos, de maneira sólida, nossa realidade. É tempo de plantar jabuticabeiras, ainda que o nosso mundo possa vir a se desintegrar. E nós, irmanados a esse mundo-casa, e criadores de nosso mundo existencial de sentido, temos nas mãos a força da reconstrução. O compromisso com a educação se faz no olho-no-olho, no encontro de uma fila, na mesa da refeição...

Há um verso de uma canção, Massemba, que tem ecoado forte e com insistência em meus pensamentos nos últimos dias: “Vou aprender a ler, pra ensinar meus camaradas”. O contexto da canção é o canto-grito de um negro, nos porões de um navio negreiro, que não se resigna ao seu destino injusto de escravidão. O compromisso que faz é o de aprender a ler, para que possa, assim, ensinar também aos camaradas. Bem sabemos, todos e todas, a força simbólica de desvelamento do mundo que é o aprender a ler: a vida se descortina ante nossos olhos. Esse é o compromisso ao qual todo e toda democrata é chamado, no atual momento de nosso país: ajudar, com o poder da leitura – e não das armas – a transformar nosso mundo e a contribuir para que mais muitos e muitas também possam aprender a ler.

Este é o melhor dia que temos. Aproveitemos para plantar jabuticabeiras! Mesmo que os frutos demorem a surgir, não podemos ignorar a força da semente. E a semente somos nós!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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