domtotal.com
Vamos fingir que Bolsonaro não representa o nazismo, a violência, a aniquilação das políticas sociais e da civilidade?
Pior do que uma ditadura é uma ditadura eleita pelo voto. (Mauro Pimentel/AFP)
Por Ricardo Soares
Esperei fechar a fatura pra escrever essa crônica. Quase segunda-feira e está posto o resultado. O recado que vem das urnas é assustador. Estamos no meio do método confuso, das indefinições, de um tiroteio de onde não se sabe de onde vem as balas. E aí nos vemos acuados como boxeadores exaustos e suados ali no canto das cordas. Vendo a democracia ser encurralada. Sim esse o recado que queria passar nesse day after onde tanta gente vai falar sobre as eleições de domingo. Mas eu quero mesmo é falar sobre a relativização da barbárie porque pior do que uma ditadura é uma ditadura eleita pelo voto.
Fiquei pacientemente ouvindo canais de televisão e estações de rádio em busca de falas diferentes das óbvias. Fiquei em busca de gente que pusesse sua emoção acima de uma razão fria e comedida, aquela feita para agradar aos patrões e não fugir aos padrões. Um bom mocismo a essa altura quase asqueroso na medida em que relativiza a tragédia para a qual estamos caminhando .
Na Globonews me assombrou o número de comentaristas que falam a mesma coisa, que pensam em uníssono, cantam como um coro de contentes. Não os consigo entender. Por que são tantos se pensam da mesma forma? Não há acordes dissonantes, não há assombro , não há indignação. Como se fosse a coisa mais normal do mundo a tal "nação brasileira" do cabo Daciolo ir direto para o patíbulo, para o abate como uma rês mansa e molhada . É isso mesmo ? Vamos fingir que Bolsonaro não representa o nazismo, a violência, a aniquilação das políticas sociais e da civilidade? Vamos fingir que é isso mesmo? Que não há perigo de retrocesso, que devemos nos deixar imolar sem interferir? De que ele e seus filhotes da ditadura não tem projetos sombrios para o Brasil?
Poucas vezes na minha vida senti tanta vergonha de ser jornalista e de ser paulista. A bancada federal e estadual que está saindo do meu estado é das coisas mais vergonhosas que já vi. Os campeões de votos são os campeões da estultice, da beligerância , do analfabetismo funcional. E as bancadinhas dos jornalistas televisivos e das rádios, bem vestidinhos e cheirosinhos tratam tudo com muita naturalidade como se fosse normal a escalada para o fascismo irreversível. Não há exceções. As regras parecem ser claras para esses ventríloquos. Compassivos e contritos.
Não vou fazer apologia a ninguém para o segundo turno porque é desnecessário. Gostem ou não agora só há uma saída. Ajudar o candidato petista a reconstruir uma democracia esgarçada ou se entregar a uma ditadura escancarada onde os maiores absurdos são proferidos sem que jornalistas indignados se levantem contra. Hordas de covardes para dizer o mínimo. Aliás essa relativização da barbárie tenho visto muito além do combalido meio jornalístico. Está também entre marqueteiros, cientistas sociais, pedagogos , economistas. Uma verdadeira legião de anestesiados que não ligam as sirenes de advertência para o grande mal que se aproxima . Me assombra essa acomodação e passividade justamente entre aqueles que poderiam amplificar a voz da indignação.
Sim, daqui a três semanas podemos estar vivendo nossos últimos dias de democracia. Ou podemos reinventá-la se a roda girar para o lado certo. O voto no Nazi me parece um voto envergonhado, mal informado, eivado de clichês anti-esquerdistas que a mídia covarde amplifica sem esclarecer. E o caminho alvissareiro para o segundo turno parece ser tentar mais e mais explicar, esmiuçar, exercer a paciência em explicar até o óbvio do que é esquerda, direita, centro. Tentar jogar luz na desinformação. Quase um ato de resistência , erguendo trincheiras ao melhor estilo paz, amor e uma flor contra os canhões da obtusidade. Agora é hora de um movimento enorme pela civilidade contra a boçalidade. Meus amigos e amigas não é mais uma questão de ideologia. É de salvação da pátria mesmo. Hora de ir à luta e deixar de crer que o nazista vence nesse segundo turno. Não renunciar jamais ao bom combate. Porque uma derrota agora vai custar anos e anos de novas lutas. Se quem devia relativiza a barbárie vamos nós ao "mãos a obra". São três semanas pra encarar o Godzilla ou ser irremediavelmente devorado por ele.
Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Publicou 8 livros, dirigiu 12 documentários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário