A primeira e a mais importante missão do bispo é entender e saber tratar com os padres.
A razão é muito humana e mais divina do que se poderia pensar.

Se em Caicó já me adestrara na arte de tratar com os padres, tendo levado de Campina Grande um pouco de experiência da vida em comum com alguns, que tanto me auxiliaram a ser padre verdadeiro, devo reconhecer que foi no Maranhão que melhor aperfeiçoei a minha caridade neste particular.
A razão é muito humana e mais divina do que se poderia pensar. O sacerdote maranhense, como o maranhense em geral, é extremamente sensível, vigorosamente amigo de quem se faz seu amigo.
Para isso concorre a situação natural da existência ali. A natureza contribui fortemente para o explicar. Tudo ali é grande, só o homem é pequenino. Lá sucede o contrário do que acontece no Nordeste. Cá tudo é pequenino, só o homem é grande. O homem maranhense, até bem pouco, não poderia subsistir sem amizade. Tendia a unir-se para sobreviver. O maranhense cultiva uma amizade como um nordestino cultiva a única árvore que faz sombra no terreiro de sua casa.
Se falo do passado, é que temo que a abertura das estradas, coletivizando geograficamente o maranhense, venha diminuir a fome que o maranhense tem de cultivar algumas amizades, cultivar e aprofundar. Desde o momento em que o progresso concorre para aproximar os homens fisicamente, quando o mundo se torna um único mundo, maiores perigos ameaçam as amizades profundas e sólidas. Tudo se superficializa. Tudo se convencionaliza. Tudo empalidece e morre.
No Maranhão, como em Caicó, os sacerdotes eram pouquíssimos e o bispo os encontrava constantemente. Eles tinham que recorrer ao bispo até para os substituir em suas funções cotidianas.
No Maranhão, então, as necessidades que o padre tem de procurar o bispo que o entende e ama, impressionaram-me sobremodo e me impuseram dar resposta singular a eles. Deus deverá ter concorrido para estreitar os laços que nos prenderam mutuamente e com tal fato nos engrandeceu de modo admirável.
Disse muitas vezes e repito sem favor algum ao Maranhão. Lá senti-me mais sacerdote e mais brasileiro. Mais homem também, pois o homem só se torna autenticamente homem se praticar a solidariedade com os outros homens, levando os laços de união até a unidade em inúmeras ocasiões, até sentir a humanidade habitar em seu coração e em sua mente. Só é grande quem pode exclamar que é um com muitos. Sobretudo quando motivados pela fé e pela caridade conscientes e dinâmicas, somos um com todos os homens.
Pelo que disse anteriormente, é preciso, na vida de comunhão espiritual e mística da Igreja, entendida como mistério de Deus vivido pelos homens no mundo, que se consiga subir e atingir a perfeição terrena possível no campo da solidariedade humana.

DELGADO, José de Medeiros. Pedaços de mim mesmo. Fortaleza, 1973.
Bispo de Caicó (1941 a 1951), Arcebispo de São Luís do Maranhão (1951 a 1963) e Arcebispo de Fortaleza (1963 a 1973).
Bela crônica, enviada pelo historiador,
Padre Gleiber Dantas de Melo, da Diocese de Caicó (RN)




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