Autor buscou seguir instruções de Deus segundo aqueles que se apresentavam como capazes de apontar qual seria a vontade do Senhor.
"Parecia um restaurante da Disney com tema mórmon". (Reprodução/ VICE/ Jamie Lee Curtis Taete)
Por Jamie Lee Curtis Taete
Há um novo seriado chamado God Friended Me no canal americano CBS sobre um locutor de programas de rádio ateu cuja vida muda depois que recebe um pedido de amizade no Facebook de Deus. No programa, o personagem principal é orientado pelo contato, levando-o a fazer coisas como ajudar uma mulher a reconciliar um drama familiar e impedir um homem que está prestes a tirar a própria vida.
Na vida real, as pessoas fizeram muitas coisas porque Deus lhes disse o que fazer, desde invadir o Iraque, até passar 37 anos construindo uma bola gigante de barbante. Embora nenhuma dessas coisas envolvesse o Facebook, obviamente há algo muito poderoso sobre a coisa toda de ouvir a Deus.
Em um esforço para trazer alguma mudança em meu mundo, decidi seguir os passos de tudo o que o personagem principal faz no seriado, e passar um dia inteiro tentando seguir a vontade de Deus.
Como o show gira em torno do Facebook, imaginei que o Facebook seria um bom lugar para começar. Poucos dias antes do meu experimento, procurei e encontrei algumas das contas de Deus com mais curtidas para ver se as pessoas que estavam detrás estariam dispostas a me dar alguma orientação. Também entrei em contato com um homem que alega que é a reencarnação de L. Ron Hubbard e, via e-mail, um casal na Austrália que acredita que são Maria e Jesus.
O único a responder foi uma conta de brincadeira sobre Deus que tem quase 4 milhões de seguidores. O ateu que dirige a conta não me deu o Seu nome, pois diz que ele e sua família receberam ameaças de morte no passado por causa de sua zombaria on-line sobre Deus, mas me disse que fingir ser Deus na internet é um trabalho de tempo integral para ele. "Recebo cem mensagens por dia ou mais", escreveu. "Eles percebem que é uma página de humor, mas também sabem que falo com as pessoas e ofereço orientação... acabo falando com muitos ateus em crise".
Este Deus em particular estava realmente muito zangado com os criadores de God Friended Me, pois sente que o conceito do programa foi roubado Dele. "Acredito que eles foram claramente inspirados pela minha página", escreveu.
Quando perguntei o que devo fazer com o meu dia, Ele me disse que seu primeiro conselho seria que eu nunca assistisse o seriado, e também que fosse ao píer, alimentasse um sem-teto, registrasse para votar, chamasse meus pais para dizer a eles que eu os amo e ficar longe da internet.
Nunca assistir a God Friended Me, registrar-me para votar, ou ficar fora da internet, tudo isso estava fora de consideração (porque eu já assisti o seriado, não sou um cidadão americano, e preciso da internet para escrever este artigo) mas eu disse a ele que faria as outras coisas.
Em seguida, procurei Colette Brown, uma clarividente que escreveu um livro que aborda a bibliomancia, uma forma de adivinhação que usa livros sagrados que remontam a centenas de anos no passado. Perguntei a ela como saber se Deus está me ouvindo.
“A maneira mais fácil de fazer isso é pegar seu livro e realmente focar em qualquer pergunta”, Brown me falou no chat por vídeo do Facebook, instruindo-me a fechar os olhos e transmitir minha pergunta para “Deus, espírito superior, fonte, eu - realmente não importa”.
Em seguida, Brown me pede para pegar um alfinete e usá-lo para abrir a Bíblia aleatoriamente antes de colocá-la em uma palavra aleatória na página. Depois de transmitir a pergunta "o que devo fazer hoje?" Eu acabei na palavra Egito, na frase “Eis que confias no Egito, aquele bordão de cana quebrada, o qual, se alguém se apoiar nele lhe entrará pela mão, e a furará; assim é Faraó, rei do Egito, para com todos os que nele confiam”, de Isaías 36,6.
A interpretação de Brown foi que a cana representa o conceito deste artigo, que não é tão forte quanto eu acho que é. “O que eu levaria como aprendizagem disso é simplesmente que há algumas coisas que vão funcionar, e há algumas que não vão funcionar”, disse ela.
Ela não tinha certeza do significado da palavra Egito, e eu não conseguia pensar em nada em minha vida que pudesse se relacionar, mas me disse que eu deveria manter meus olhos abertos durante o meu dia para qualquer tipo de sinal que pudesse me ajudar descobrir seu significado.
E depois. Um sinal.
Meu caminho até o píer me levou além do California Science Center, que atualmente tem uma grande exposição de Tutankhamon.
Eu quase fui para a exposição um par de meses antes, mas achei 30 dólares, um pouco caro. Mas dessa vez, porque Deus me mandou para lá, consegui justificar a despesa do meu ingresso graças a VICE (site onde este artigo foi originalmente publicado). Louvado seja!
Enquanto passeava pela exposição, tentei encontrar algum tipo de sinal que pudesse revelar que outra coisa deveria fazer com meu dia. Mas coisas egípcias são tão ricas em símbolos e metáforas que você pode encontrar praticamente qualquer significado que queira encontrar nelas.
Podia continuar usando os sinais de Deus para financiar atividades divertidas com o orçamento da VICE - interpretando as vestes como um sinal de que deveria comprar algum pijama chique, ou a cripta egípcia como um sinal de que deveria ir jogar vídeo-games ambientados no Egito, mas decidi que seria desonesto, então, em vez disso, fui para a praia para realizar aquilo que foi instruído pela conta de Deus no Facebook.
A primeira dessas instruções foi comprar comida e entregá-la a um morador de rua. Eu conversei com um homem que estava sentado em um banco perto de um food truck com uma placa dizendo que precisava de comida. Ele rejeitou o termo sem-teto (literalmente, em inglês, seria sem-casa, o que explica sua resposta): "A definição de sem-teto é de uma pessoa que foi abandonada e não tem um país. Estou no meu país. Sua casa é seu país. Sou uma pessoa indigente que simplesmente vive". Contudo, pediu uns tacos de carne e uma Coca-Cola em um food truck nas proximidades. Isso foi um bom uso dos 7 dólares que paguei com o dinheiro da VICE, obrigado Deus do Facebook.
Liguei para meus pais e disse que os amava, depois fui para o píer. Eu não vou lá muitas vezes porque é exageradamente turístico, mas o dia estava brilhante e tinha pássaros e acabou sendo bem melhor do que esperava. Quando estava saindo, vi uma mesa com uma placa que dizia: "livros de meditação gratuitos".
Eu expliquei para o cara na mesa o que estava escrevendo, e ele disse que seus livros me ajudariam em minha busca. O vendedor me falou que eles eram de graça, mas pediu que eu fizesse uma doação. "Eu não acho que tenho dinheiro..." disse instintivamente, assim como faço quando ouço a palavra "doação".
"Somos monges de alta tecnologia", disse ele, temos uma maquininha de cartões.
Cinco dólares depois, acabei pegando três livros. "Você vai se sentir muito inspirado lendo esses livros", disse o monge quando parti.
De volta ao meu carro, decidi procurar no Google um representante de Deus que pudesse me dar instruções sobre o que fazer a seguir. Encontrei várias linhas telefônicas de aconselhamento religioso, pensei em ligar para elas ao longo do meu dia.
Primeiro, disquei um número operado pela Igreja Mórmon que permite conversar com um missionário. Minha ligação foi respondida por duas mulheres chamadas Irmã Tuia e Irmã Reynolds, que moram no Templo Mórmon, em Los Angeles. Elas disseram que poderiam me ajudar na minha busca, mas seria mais fácil se falássemos pessoalmente.
Trinta minutos depois, eu estava no centro de visitantes do templo - uma exposição de aparência muito cara sobre a história e crenças da Igreja Mórmon, espalhada por várias salas com muros de pedra falsos e temas de época. Parecia um restaurante da Disney com tema mórmon.
Perguntei se elas tinham alguma ideia do que Deus gostaria que eu fizesse com o meu dia, e elas me fizeram assistir um pequeno documentário sobre um missionário mórmon chamado John que realmente não me deu nenhuma resposta. Então me levaram para uma sala com uma exposição sobre a importância da família. Porque sou um homem e tenho um namorado, a conversa se voltou para as crenças da igreja sobre relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. "Acreditamos que o casamento deve ser apenas entre um homem e uma mulher", disse a irmã Reynolds, antes de sugerir que desse uma olhada em um site chamado mormonandgay.org.
Quando perguntei se havia algum tipo de atividade que eu pudesse fazer naquele dia, e que Deus quisesse de mim, a irmã Reynolds me convidou para um encontro para jovens adultos solteiros que estavam tendo naquela noite no templo.
Eu não sou solteiro, então recusei o convite. Espero que ela tenha percebido que eu realmente não era solteiro, e espero também que não estivesse sugerindo que eu tentasse entrar em um relacionamento com uma mulher mórmon e me lançasse em uma vida de repressão severa e mentalmente prejudicial conforme as instruções no site mórmon que recomendou.
Ela me entregou um Livro de Mórmon quando saí e me disse que, se eu quisesse servir à vontade de Deus, deveria ler a introdução.
De volta ao meu carro, sintonizei a KKLA FM, uma estação de rádio cristã, na esperança de que pudesse me oferecer alguma orientação. Continuando o tema LGBTQ, a estação contou com a presença de um terapeuta cristão que estava falando sobre uma mulher transexual com quem ele havia se encontrado recentemente. "Uma vez que sua biologia é o que é, isso não muda", disse ele. “Essa pessoa será uma deprimida e suicida, e é ele ou ela? O transexual quer ser chamado de ela, mas é um ele e está tentando parecer o máximo que pode um ela, mas isso é totalmente confuso”.
Ele não especificou qual parte da Bíblia fez com que a tratasse assim. Eu dirigi para casa.
Uma vez em casa, liguei para o 877-WHY-ISLAM, uma linha direta gratuita para pessoas curiosas sobre o Islã. Expliquei o que estava fazendo e o homem com quem falei disse que Deus iria querer que eu lesse o Alcorão e que ele me enviaria uma cópia gratuita que chegaria em duas semanas. Eu já tinha muitos livros, e meu experimento deveria terminar em uma hora, então recusei sua oferta e me sentei com as coisas que já havia recolhido ao longo do dia.
Comecei com a introdução do Livro dos Mórmons, conforme o recomendado pela irmã Reynolds. Basicamente, disse que eu poderia ser levado para mais perto de Deus se seguisse os ensinamentos do Livro de Mórmon. Que me pareceu algo para o qual eu realmente não tinha tempo.
Em seguida, voltei-me para “Cante e seja feliz: O Poder da Meditação Mantra”, que foi um dos livros gratuitos que me custou 5 dólares no píer. Eu só dei uma olhada rápida, mas a maior parte do livro parecia estar dizendo que, basicamente, você pode alcançar a iluminação, a felicidade, o sucesso e um monte de outras coisas ao cantar “Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare, Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare”.
Enquanto estava tentando descobrir como poderia usar esse conselho para buscar instruções divinas, li uma parte no livro que dizia que não há necessidade de “entender a linguagem do mantra, nem há necessidade de especulação mental nem adaptação intelectual”. O que parecia um sinal para começar a cantar.
Depois de alguns minutos cantando, consegui parar de me concentrar nas palavras e caí em um estado relaxado. Por alguma razão, tudo que eu conseguia imaginar na minha mente era uma loja Target. Tentei dirigir minha mente na direção de algo um pouco mais sagrado, mas não importava o que eu tentasse, acabava voltando na imagem da loja.
Por mais que quisesse interpretar isso como uma mensagem de Deus de que eu deveria terminar o dia comprando na Target, decidi ligar para um último consultor religioso.
Liguei para a linha direta do Tony Alamo Christian Ministries, porque foi fundada depois que um homem chamado Tony Alamo foi instruído a fazê-lo em uma mensagem de Deus. Imaginei, também, que uma igreja que tem sido acusada de ser um grupo de culto e ódio pode me dar um conselho mais direto do que apenas ler um livro.
Falei com uma mulher chamada Serena (ou talvez Selena ou Sherena - ela não soletraria seu nome nem falaria o sobrenome porque "temos muitos inimigos que chamam nessa linha").
Ela me disse que a única maneira de fazer o que Deus quer é admitir que sou pecador, entregar-me a Deus e recomeçar minha vida. Ela sugeriu que um bom primeiro passo seria ter uma conversa com meu namorado: "Você vai ter que dizer: 'Meu amigo, ou eu encontro um lugar para morar ou você vai ter que encontrar outro lugar para viver'".
Meu namorado não estava por perto e eu estava ficando com fome, então perguntei se ela tinha alguma ideia do que Deus gostaria que eu preparasse para o jantar. Ela disse que a Bíblia não oferecia uma grande quantidade de conselhos dietéticos além de uma passagem sobre moluscos em Levítico, mas o fundador de sua igreja acreditava que era importante manter o corpo saudável, então ela sugeriu que eu pegasse algo verde e vivo. "Além disso, você tem outra coisa em confronto com você, você sabe! Seu sistema imunológico, qualquer dia, pode cair”, disse ela. "Por causa desse pecado de estar com um homem".
Quando perguntei como um namorado poderia afetar meu sistema imunológico, ela me contou uma história sobre um membro de sua igreja que fez sexo com um homem e ficou doente depois.
"Você está falando sobre AIDS?", Perguntei.
"Sim", ela respondeu. “Isso é algo a considerar. Assim como eu considero a diabetes, por exemplo".
Ela seguiu esse conselho explicando algumas das perseguições que seu grupo enfrentou, dizendo que seu fundador foi “condenado a prisão por 175 anos por pregar o Evangelho - mas disseram que foi abuso infantil”.
Fui pesquisar no Google e, mais especificamente, o evangelista recebeu dez acusações federais por levar menores de idade para fora do Estado para fins sexuais, incluindo uma criança de oito anos. Ele chamou isso de vontade de Deus.
Enquanto comia minha salada aprovada pela Tony Alamo (paga à VICE, louvado seja!), olhei para o meu dia.
No geral, foi um dia melhor do que eu normalmente teria se não tivesse pedido a intervenção divina. Peguei uma salada grátis e fiz algumas atividades divertidas.
Acho que se isso significa que você vai passar um dia fora do escritório fazendo boas atividades e comendo saladas grátis, recomendo que você siga a palavra de Deus.
Mas se a sua interpretação da palavra de Deus significa que você vai chamar uma mulher trans de “isso”, ou reclamar que alguém foi preso por fazer sexo com crianças, ou se juntar a uma organização que acha legal fazer as pessoas entrarem em casamentos sem amor e gastarem suas vidas em relações miseráveis, talvez seja melhor considerar a opção do ateísmo em vez disso.
Vice - Tradução: Ramón Lara
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