quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Natal: a mensagem revolucionária de um Deus subversivo

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O natal é o nascimento do Deus dos esquecidos. Seu primeiro ato é compartilhar com eles seu destino.
Uma mãe Rohingya se senta ao lado de sua criança doente no campo de refugiados de Kutupalong.
Uma mãe Rohingya se senta ao lado de sua criança doente no campo de refugiados de Kutupalong. (AFP)
Por Élio Gasda*

Natal! Que seja ontem, hoje e amanhã. Deus que se fez criança continua nascendo todos os dias na sua, na minha, em todas as famílias. São milhares de presépios permanentes mundo afora. Independente de religião, raça, cor, gênero ou classe social, Deus conosco - Emanuel - quer ter pai, mãe, irmãos. Que sejam dois pais, ou duas mães, uma mãe, os avós, Ele quer uma família, a humana. O valor da família está no amor, não importa o tipo. Jesus nasceu em uma família fora dos padrões da época. Escolheu o ventre de uma menina moça que sequer conhecia quem era o pai. Grávida e solteira, um sim com dúvidas e medos não a impediu de ser a serva do Senhor (Lc 1,26-38). José, viúvo e trabalhador, como qualquer homem, colocou em dúvida a honra de Maria, mas não a abandonou. Tantas vezes esquecido é “O homem que garante a estabilidade do Reino de Deus, a paternidade de Deus, a nossa filiação como filhos de Deus” (Papa Francisco). Homem justo, foi além das convenções sociais e religiosas para proteger a vida de um filho que não era seu. Adotou uma criança que sequer teve um lugar decente para vir ao mundo.

Desde seu nascimento, esse filho de um casal de trabalhadores é o maior transgressor da história. Subversivo desde a concepção! Não é filho de imperador, general, político ou líder religioso. Mas de uma família de migrantes obrigada a viajar de Nazaré a Belém. Refugiada, cruzou fronteiras para fugir da violência de Estado. Foram parar na paupérrima e subversiva Galileia.

Assim Deus começa sua passagem entre nós. Não se rendeu ao império ou doutrinas religiosas. Não escolheu estar entre os ricos, latifundiários, banqueiros e poderosos, mas junto aos explorados e insignificantes. Não na ostentação, no espetáculo e na fama, mas entre os trabalhadores desprezados. O que define Deus não é poder e riqueza de Igrejas e altares forradas de ouro. Não é um Deus interessado na própria honra, que exige adoração e sacrifício. Não é um moralista irritado com os pecados dos seus súditos. Deus não se vinga, não guarda rancor. É o Deus dos que sofrem, dos maltratados, das pessoas repulsivas e desprezadas pelos fanáticos pela lei e pela doutrina. Sua principal preocupação é combater o sofrimento. O natal é o nascimento do Deus dos esquecidos. Seu primeiro ato é compartilhar com eles seu destino. Eles devem saber que a misericórdia de Deus nunca os abandonará. Aqueles que não têm uma religião para defendê-los têm Deus como defensor.

É Natal! Mais uma vez na noite escura, esperamos por Ele. Casas enfeitadas, luzes a piscar, sinos a replicar. Mesa farta. Na árvore ouro, incenso e mirra. Papai Noel e presépios a enfeitar lojas e jardins. Vinho e o tilintar das taças! Todos a festejar o Natal extrovertido, mas dispersivo, hipócrita! Sim Natal hipócrita! No centro de tanta festividade não está “o tu de Jesus e o tu dos irmãos, especialmente daqueles que necessitam de ajuda” (Papa Francisco). Mesmo antes que o menino nasça planejam sua morte, sim cristãos planejam sua morte. Planejam sua morte quando não lutam pelo fim das desigualdades, desconsideram o menino Jesus que vive no outro vulnerável, como os povos indígenas, quilombolas, crianças e idosos abandonados, pessoas com deficiência, imigrantes, desempregados, negros e todos os descartados. Matamos Jesus quando não O reconhecemos em uma família homoafetiva. As famílias ameaçadas por fundamentalistas e suas doutrinas sem amor, são abraçadas pela família de Nazaré.  “Jesus nasce para todos e doa a todos o amor de Deus” (Papa Francisco).

Então é Natal!? O que você fez? Rezou pelos discriminados? Suplicou pela paz no mundo e no Brasil? Entristeceu-se com o número crescente de desempregados? Solidarizou-se com a trágica vida dos sírios, mexicanos, dos guatemaltecos, venezuelanos, dos africanos e de tantos imigrantes que fogem da fome e da violência? Indignou-se com a dor das mulheres exploradas, agredidas e assassinadas por seus companheiros? O maior pecado contra o projeto de Deus consiste em introduzir sofrimento na vida do outro, ou tolerar esse sofrimento. Não se pode amar verdadeiramente a Deus e dar as costas aos necessitados (1Jo 5,20).

O convite à misericórdia é o grande legado do Natal. É a misericórdia, e não a santidade, o princípio inspirador do cristianismo. Deus é santo porque ama a todos, sem exceção. Cristo não é propriedade dos beatos. Doutrina que não desperta para o amor é inútil. Aqueles por quem ninguém se interessa, são os que mais interessam a Deus. Nenhuma forma de discriminação se justifica diante desta criança que nasce em Belém. O Natal inaugura uma ruptura do círculo diabólico da discriminação. Todos os condenados pela sociedade ou pela Igreja devem alegrar-se com essa mensagem. Deus nunca os abandona.

 Só uma Igreja que entendeu o sentido do Natal tornará Deus presente neste mundo. Quando todo povo for tratado com dignidade e respeito então haverá Natal! Voltemos a Belém. Voltemos às raízes do cristianismo. Que as cantigas e os sinos de Natal não eliminem a mensagem revolucionária do menino Jesus. Ele, que não dorme em paz, nos desperte do sono da hipocrisia e da indiferença.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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