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No meio da resistência nazista, Dietrich Bonhoeffer, mártir cristão, ofereceu três modelos teológicos para o tempo cristão da espera.
Enquanto esperamos pelo julgamento, também estamos seguros no conhecimento de que já estamos sendo levados para a paz de Deus. (Tyler Rutherford by Unsplash)
Por Elisabeth Rain Kincaid*
Em 21 de novembro de 1943, Dietrich Bonhoeffer escreveu uma carta desde a prisão de Tegel. "Uma cela de prisão como esta é uma boa analogia para o Advento", disse ele. “Uma espera, esperançosa, faz isso com todos - coisas insignificantes, detalhes – como a porta que está trancada e só pode ser aberta do lado de fora”.
A comparação entre o Advento e uma cela de prisão pode parecer estranha. Evoca impotência, talvez até desesperança. No entanto, é esse tipo particular de espera que Bonhoeffer acredita que melhor nos prepara para a vinda de Cristo.
Embora uma prisão nazista tenha lhe dado essa metáfora, os sermões que escreveu durante seu tempo de ministério ativo também apresentam uma visão semelhante da espera do Advento. Nestes sermões, Bonhoeffer vê o tempo antes do Natal como uma expressão litúrgica aguçada da tensão que supõem nossas vidas inteiras como cristãos. Celebrar o advento nos prepara para viver como pessoas que romperam radicalmente com o mundo atual do pecado e da morte e também estão se preparando para o futuro redimido que Deus já realizou em um sentido, o de Cristo. Por meio do advento, aprendemos a viver nessas duas realidades simultâneas: já fomos libertos e, ainda assim, nossa libertação ainda está por vir.
Os sermões de Natal e Advento de Bonhoeffer destacam três figuras que exemplificam a vida em meio a essa tensão e, pelo exemplo, podem nos guiar neste tempo especial. Aprender a esperar dessas figuras que o teólogo sugere não será nada afável e acolhedor, mas profundo, perigoso e afetado pela tristeza e pela dor.
A primeira figura é Moisés. Este não é o triunfante Moisés liderando o povo de Israel através de um Mar Vermelho milagrosamente separado ou o legislador Moisés carregando as tábuas de pedra pela encosta da montanha. Pelo contrário, o Advento de Moisés é o encontrado em Deuteronômio 32, 48-52. Moisés sabe que a promessa de Deus será cumprida, mas também sabe que a promessa não será cumprida em sua vida. Em vez disso, vai morrer no Monte Nebo, olhando através do rio para a terra prometida. Este Moisés aparece a princípio como a própria antítese do Advento, visto que é aquele para quem a promessa nunca é cumprida.
No entanto, Bonhoeffer encontra na experiência de Moisés uma expressão do nosso próprio Advento e da nossa esperança. Assim como Moisés, sabemos que a promessa foi cumprida - Jesus veio - mas ainda não completamente. Por meio do castigo de Moisés - sua morte antes de entrar na Terra Prometida - também somos lembrados de que o Advento é um período de morte, julgamento e arrependimento. Em uma inversão da ordem do mundo, passamos da morte ao nascimento e à nova vida. Essa consciência de nossa própria morte e julgamento é crucial para entendermos que só entramos na Terra Prometida devido à vitória de Deus, não à nossa própria vitória. Como Bonhoeffer coloca, “Deus está conosco e não estamos mais desabrigados. Um pedaço do lar eterno é inserido em nós”.
A segunda figura é José. Como Moisés, José, em certo sentido, viu o cumprimento da promessa de Deus. Ele confia em Deus e toma Maria, já grávida, como sua esposa. Em resposta, Deus lhe promete o impossível: que Maria está “grávida do Espírito Santo” e o filho que carrega “salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21). O nascimento da criança é acompanhado por anjos. No entanto, apesar da chegada do prometido Salvador, o anjo ordena que José corra de volta ao Egito, a terra da escravidão de seu povo. Então José espera no Egito. Mesmo quando Deus lhe diz para voltar, ele não o envia para Jerusalém, a terra da promessa, mas sim para o lugar mais insignificante da Judéia - a cidade de Nazaré. Como Bonhoeffer escreve: “Foi para José, como para todo o mundo, incompreensível que a pequena Nazareth fosse o destino do salvador do mundo”.
Toda a vida de José está marcada pela espera, e é através de sua fiel espera que as promessas de Deus são mais completamente cumpridas. Ao sair do Egito, Jesus incorpora a libertação do povo de Deus em sua própria vida e sua redenção salvífica final de todo o povo de Deus. Através de sua vida entre os pobres, humildes e esquecidos em Nazaré, Jesus vive a vida de todos aqueles que são humildes e esquecidos, a vida de todos aqueles que, como seu pai humano, esperam sem saber que a consumação de Deus vem.
A terceira figura é Maria. Bonhoeffer a descreve como a pessoa que “sabe melhor do que ninguém o que significa esperar por Cristo”. Como pessoa, “ela experimenta em seu próprio corpo que Deus faz coisas maravilhosas com os filhos dos homens, que seus caminhos não são nossos caminhos, que Deus não pode ser definido por homens, ou circunscrito por suas razões ou ideias”. Nesse sentido, Maria literalmente incorpora uma tensão teológica fundamental: Grávida do Salvador, ela espera por sua chegada radical, mas ao mesmo tempo sente profundamente dentro de seu próprio corpo como a promessa de Deus já foi cumprida.
Maria também exemplifica a espera comum da igreja pela redenção do povo de Deus e pela restauração de toda a criação. No Magnificat, descreve como o bebê que carregará realizará o fim de todos os sistemas de poderes opressivos, os poderosos serão retirados de seus tronos e os pobres e esquecidos reivindicados. Maria passa sua vida antecipando essa conclusão redentora. Ela espera através da gravidez, através do ministério de Cristo, através da crucificação, até o Pentecostes. Mesmo depois do Pentecostes, ainda espera na casa do apóstolo João, sabendo que a culminação que previu - onde toda a criação é renovada - ainda está por vir.
Essas três figuras do “Advento” levantam questões difíceis sobre o estado de nossos corações à medida que nos aproximamos do tempo de Advento e do Natal.
Primeiro, temos que reconhecer a ruptura radical da vinda de Cristo, enquanto esperamos dentro do “agora”. No entanto, não somos livres para realizar o cumprimento definitivo da promessa de Deus com nossa própria força de vontade ou em nosso próprio cronograma. Na verdade, nem mesmo somos livres para esperar corretamente. Cristo "vem para nos resgatar das prisões de nossa existência, da ansiedade, da culpa e da solidão", escreve Bonhoeffer, mas, para estarmos prontos para esse resgate, precisamos primeiro ver até que ponto estamos totalmente escravizados. (Aqui, sua analogia com a prisão volta à mente). O advento, portanto, é definido por um duplo movimento: primeiro, saber que ainda estamos escravizados e, segundo, saber que Cristo já nos libertou.
Em segundo lugar, a quem estamos esperando? Jesus vem no Natal como criança, mas no final dos tempos, vem trazendo o temor e pode trazer também o julgamento. De Moisés, aprendemos que o Advento requer que morramos antes de podermos renascer. Assim, só podemos receber a criança e entrar em seu reinado assim que aceitarmos o julgamento de Deus e, de certo modo, nossas próprias mortes. No entanto, enquanto esperamos pelo julgamento, também estamos seguros no conhecimento de que já estamos sendo levados para a paz de Deus. Sempre nos vemos “no momento” e no horizonte escatológico de Cristo. No advento, então, é importante lembrar o que significa esperar por um filho, não apenas um rei.
Quando consideramos esse segundo movimento duplo do Advento - a vinda do Senhor em juízo e a vinda do menino Jesus - percebemos que Deus exige mais do que poderíamos imaginar ou realizar. Também percebemos que, ao se tornar um de nós na Encarnação, Cristo já realizou tudo.
Finalmente, o que fazemos durante essa espera? Bonhoeffer identifica os cristãos com os servos de Lucas 12 que mantêm as lâmpadas acesas enquanto esperam pelo noivo. Porque sabemos que o noivo virá, nossa espera não é passiva ou resignada. Ao contrário, como José e os servos, aprendemos a esperar ativamente que as promessas de Deus sejam cumpridas.
Também aprendemos a viver a liberdade radical que vem da promessa de Deus já sendo cumprida. Mais fundamentalmente, somos libertos do cativeiro dentro de nós mesmos. Essa liberdade, diz Bonhoeffer, nos liberta de “pensar apenas em [nós mesmos], de ser o centro do meu mundo, do ódio, pelo qual eu desprezo a criação de Deus. Significa ser para o outro: as pessoas para os outros. Só a verdade de Deus pode me permitir ver o outro como ele realmente é.
Bonhoeffer viveu este Advento esperando em sua própria cela de prisão. Embora a porta estivesse trancada e sua vida estivesse em ruínas ao seu redor, ele ainda se agarrava ao conhecimento de sua liberdade em Cristo, e o fez através da prática do Advento. Em uma carta enviada a seus pais, descreveu como uma cena do presépio de Altdorfer “em que se vê a sagrada família com a manjedoura entre os escombros da casa desmoronada... é particularmente oportuna”, no meio de um mundo alienado, o medo da morte, e o conhecimento de nossas próprias falhas e cativeiros, "até aqui podemos e devemos celebrar o Natal".
*Elisabeth Rain Kincaid é professora assistente de teologia moral no Instituto de Teologia Aquino. Sua pesquisa se concentra em questões de formação moral, o desenvolvimento da virtude e a interseção entre direito, negócios e teologia.
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