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O nascimento virginal é a ressurreição, sendo lido a través da sexualidade humana.
Uma virgem dá à luz porque a sua identidade mais profunda é como dom de Deus, a nova iniciativa de Deus, a nova criação de Deus. (Annie Spratt by Unsplash)
Por Terrance Klein
Tente imaginar não saber quem é seu pai. E depois, imagine saber que seu pai é aquele que condenou sua vida ao cativeiro - não uma servidão metafórica, mas a escravidão real. Não é preciso ler muito profundamente na história dos EUA antes de saber que os africanos, trazidos para a América como escravos, e seus descendentes também foram abusados sexualmente por seus senhores.
O que aconteceu com as crianças nascidas dessas relações ilícitas e abusivas? De acordo com a lei da época, qualquer criança nascida de uma escrava era escrava. Mas como um homem poderia saber que foi pai de um filho ou filha e deixou a criança em cativeiro? Como poderia um homem, até um senhor, encarar seu próprio filho como escravo?
Quando tinha apenas 6 anos de idade, Frederick Douglass viu sua tia Hestor de 15 anos ser despida e chicoteada por seu patrão Aaron Anthony. A natureza maligna do velho infeliz era evidente. O que esse rapaz fez para aprender, alguns anos depois, que esse homem era, muito provavelmente, seu próprio pai?
Em sua aclamada biografia, Frederick Douglass: Profeta da Liberdade, David W. Blight especula:
Se, de fato, sua mãe de vinte anos, ainda cheia de beleza florida, charme juvenil e inteligência, tivesse sido estuprada pelo enlouquecido e sexualmente perturbado Anthony, de cinquenta anos, Douglass teve que encontrar alguma história ou análise, para compreender como ele mesmo cresceu e chegou na idade adulta. Ao recuperar sua história da memória, Douglass também teve que tentar assumi-la, e também cria-la. Se ele entendesse que não tinha sido concebido em amor, então nunca poderia saber o que significa o amor de um pai, embora, no futuro, procuraria pais alternativos por grande parte de sua vida. “Um homem que escravizara seu próprio sangue”, insistiu, “não pode ser digno da confiança de grandeza. Os homens não amam aqueles que os lembram de seus pecados - a menos que tenham a intenção de se arrepender - e o rosto da criança mulata é uma acusação permanente contra ele, que é mestre e pai da criança”.
Por vários séculos, os acadêmicos tentaram explicar o simples significado do nascimento de Cristo de uma mãe virgem. Agora, os cientistas e pesquisadores reconhecem que a noção não é hebraica nem pode ser derivada de fontes em outras religiões próximas. É hora de olhar novamente para o que os evangelistas queriam, tão desesperadamente, que entendêssemos sobre o nascimento virginal.
Os estudiosos suspeitam que as narrativas da infância foram provavelmente as últimas partes dos Evangelhos a serem compostas, mas, desde o início, o nascimento do menino Jesus de uma mãe virgem é a principal proclamação das narrativas da infância de Mateus e Lucas.
Mateus sabe que seus companheiros judeus acharão um nascimento virginal inconcebível, por isso ele faz um grande esforço em sua genealogia dos patriarcas para sugerir que o Deus de Israel “traçou retas linhas tortas”. Entre os antepassados do Messias estão Tamar uma mulher que se disfarçou de prostituta para seduzir Judá, seu sogro; Raabe, a prostituta de bom coração que ajudou os israelitas a conquistar Canaã; Ruth, que seduziu seu parente Boaz se escondendo em sua cama; e Betsabé, de beleza encantadora, cujo marido, Urias, David assassinou para ficar com ela e que então deu à luz o rei, seu filho, Salomão.
Lucas detalha o diálogo de sua cena de anunciação para deixar claro que a paternidade dessa criança não está em nosso mundo. Maria fala por todos nós, por toda pessoa sensata, quando pergunta: “Como pode ser isso, já que não tenho relações com um homem?” (1,34). Ela é informada, e nós junto com ela: “O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo irá cobrir você. Por isso, o filho que nascerá, será chamado santo, o Filho de Deus” (1,35). Se, através de seu pecado, a humanidade houvesse feito uma completa bagunça de seu próprio impulso sexual, então, por um ato totalmente novo, que somente um criador poderia realizar, um novo começo seria feito, um começo introduzindo uma ordem de graça.
Miquéias profetizou:
Portanto, o Senhor os abandonará até o tempo
quando aquela que está em parto dê à luz
e o resto de seus irmãos retornarão
aos filhos de Israel (5,2).
Aqui a revelação está sendo lida no tom da ressurreição. Se Cristo morreu como todos os homens e mulheres, mas Cristo vive triunfantemente pela vontade do Pai e a obra do Espírito Santo, então claramente uma nova humanidade foi trazida à luz neste novo “Adão”. Pode-se até mesmo dizer que O nascimento virginal é a ressurreição, sendo lido a través da sexualidade humana.
Assim, desde o início de sua existência, os evangelistas reconhecem que Cristo é a obra completamente nova, completamente maravilhosa e totalmente inimaginável de Deus. Uma mulher de verdade dá à luz porque Jesus é verdadeiramente um homem. Uma virgem dá à luz porque a sua identidade mais profunda é como dom de Deus, a nova iniciativa de Deus, a nova criação de Deus.
Cristo continuará a chamar o Deus de Israel de “Abba” (pai). Isto não é para elevar um sexo sobre outro ao divino. Não, o Filho identifica-se como o novo começo, a obra verdadeiramente inimaginável de Deus. Ele chama Deus pai porque nele Deus, através da cooperação da virgem, recriou, gerou uma nova humanidade.
O Senhor Blight escreveu sobre Douglass:
Em seus escritos abolicionistas e em sua oratória, Douglass raramente perdia uma oportunidade de converter sua história em uma definição da escravidão para seus públicos desinformados. A história angustiada do órfão de suas raízes em Tuckahoe, os pais desconhecidos ou desaparecidos, fornece a oportunidade perfeita para arrancar o coração de seu leitor enquanto ele descobria o seu próprio coração. “Não há abaixo do céu um inimigo de afeto filial tão destrutivo quanto a escravidão. Isso tornou meus irmãos e irmãs estranhos para mim; mudou minha mãe que me levou a um mito; encobriu meu pai em mistério e me deixou sem um começo inteligível no mundo”.
No centro da história de Natal, um Deus amoroso e fiel cria de novo. É como se o Pai, que vê e detém todo o tempo dentro de si, vê o fruto maligno do pecado na vida do jovem escravo Frederick Douglass - vê toda a história humana como uma longa procissão de decadência, decadência e morte, de ódio, de medo e de egoísmo - e diz: “Chega! Nós não abandonaremos nossa criação. Vamos criar de novo, entrando em nossa própria criação como homem”.
Deus toma a iniciativa em Jesus Cristo. No entanto, desta vez, na graça invencível de Deus, uma humanidade santa e humilde responde.
E exclamou com grande voz, e disse: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?
Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre (Lc 1, 42-44)
Leituras: Miquéias 5,1-4ª; Hebreus 10,5-10; Lucas 1, 39-45
America Magazine - Tradução: Ramón Lara
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