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Enquanto no Brasil honram torturadores, a Igreja leva aos altares aqueles que sacrificaram e vida em prol dos direitos humanos.
Francisco reza em igreja dedicada aos nuovos mártires, localizada no
centro de Roma, em 2017. (L'Osservatore Romano)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*
Quando o assunto é violação dos direitos humanos, a Santa Sé não se manifesta com meias palavras. Em dezembro do ano passado, o secretário de estado do Vaticano, Pietro Parolin, iniciou uma consulta entre todos os vários organismos vaticanos para ajudar a diplomacia pontifícia a atuar de maneira mais eficaz na promoção desses direitos. Apesar de não ser um estado-membro, a Santa Sé é observadora permanente das Nações Unidas (ONU), o que dá à instituição a possibilidade de participar das conferências - com direito de voto - e a ter a palavra durante os eventos promovidos pelo órgão.
“A natureza e os fins da missão espiritual da Sé Apostólica e da Igreja fazem sim que a sua participação às tarefas e atividades da ONU se diferencie profundamente do modo de participação dos estados enquanto comunidade em sentido político-temporal”, disse João Paulo II, durante a assembleia geral das Nações Unidas em Nova Iorque, em 1979.
A declaração universal dos direitos humanos, lançada três anos após o fim da segunda guerra mundial (1948), foi recebida negativamente pelo papa do período: Pio XII. Ele apresentou algumas ressalvas em relação ao documento, por considerar que, do ponto de vista ético, faltava uma fundamentação moral. Para o pontífice de então, que era radicado na doutrina escolástica da lei natural, o homem não poderia ter a pretensão de “se tornar ser autossuficiente e agir como se não dependesse de Deus”. Em vez disso, o seu sucessor, João XXIII - apesar de também ter apontado algumas lacunas em relação ao documento no tocante à autonomia do homem, a qual, segundo ele, “provinha de Deus, não das falsas doutrinas filosóficas em voga” -, não só reiterou o caráter positivo dessa declaração, como destacou que a paz seria o fim último desses direitos. Desse momento em diante, entra em vigor uma interpretação católica pacifista dos direitos humanos.
A suposta resposta do Papa Francisco a Nicolás Maduro - publicada em parte pelo jornal italiano a Corriere della Sera esta semana - , foi uma demonstração de que a Santa Sé não compactua com qualquer tipo de ingerência que ameace a dignidade humana. Uma vez que o líder venezuelano não cumpriu o acordo de amenizar a crise no país - promessa feita nos últimos três anos após reuniões periódicas entre uma comissão do governo de Maduro e alguns países mediadores -, Francisco teria rechaçado realizar qualquer tipo de interferência diplomática. Porém, a informação ainda não foi confirmada nem desmentida pela Santa Sé.
Em meio à esse caos que vive a América Latina, com ascensão de líderes que promovem a ditadura de maneira explícita ou velada, acontece a beatificação de 27 mártires argentinos que foram assassinados brutalmente pela ditadura. A celebração está marcada para o dia 27 de abril e será presidida por um enviado especial do Papa Francisco. Um dos que receberão as glórias dos altares, o bispo Enrique Angelelli, denunciou a violação dos direitos humanos por parte dos militares, em 1976, o que provocou o seu assassinato. Como para o Papa Francisco salvaguardar os direitos humanos significa “sustentar aqueles que são invisíveis perante a sociedade”, hora de honrar quem verdadeiramente lutou pelo bem comum, não pelos interesses de pequenos grupos detentores do poder.
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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