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O que mudou após 6 anos de governo? Jornalista relata sua experiência após 6 anos acompanhando o pontífice argentino.
Francisco representa uma mudança eclesial porque é um dos promotores do fim da chamada 'Igreja Constantiniana'. (Tony Gentile/Reuters)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*
13 de março de 2013. No cair da tarde daquele dia chuvoso, cheguei ao Vaticano para realizar algumas entrevistas, afinal, todos aguardavam, com muita expectativa, a eleição do 266º papa da Igreja Católica. Apenas alguns grupos de peregrinos e uma dezena de fotógrafos acampavam em frente à sacada principal da basílica de São Pedro já que, a qualquer momento, a fumaça branca poderia despontar no alto da chaminé, posicionada no teto da capela Sistina.
Segundo dia de votação. Eu fazia parte do grupo dos jornalistas “céticos”, duvidando que, naquele dia, eu veria, com meus próprios olhos, o cardeal protodiácono proclamar o Habemus Papam. Tudo isso porque, na minha cabeça, seria um dos conclaves mais complicados da história, haja vista a renúncia ao papado que acabara de acontecer.
De repente, fui despertada da minha distração - eu estava à procura de algum turista brasileiro que pudesse falar sobre a emoção de participar daquele momento histórico - por gritos que ecoavam por toda a praça. A emoção era tanta que “aqueles gatos pingados” que não arredaram o pé da praça nem sequer por um segundo fizeram a força de uma multidão. Olhei para o alto e vi aquela fumaça cinza aos poucos se transformar em uma fumaça branca cintilante: efeito provocado pelos meus olhos marejados. A “frieza jornalística” com a qual conduzi o meu trabalho ao longo de um mês bastante intenso, deu lugar a um misto de sentimentos que até hoje não sei explicar. Os sinos da basílica de São Pedro, que soavam de maneira incessante, acompanhavam o compasso do meu coração, incontrolavelmente acelerado por causa do evento que eu estava presenciando.
Com aquela visão panorâmica que qualquer jornalista começa a desenvolver após anos de labuta, olhei para a via da conciliação (a famosa rua que fica em frente à basílica) e vi pessoas correndo para garantir um lugar privilegiado. Algumas chegaram até a estacionar o carro de qualquer jeito, na esperança de encontrar um espaço que lhes proporcionasse uma boa visão. Ao meu redor, em questão de minutos, pessoas de várias raças, cores e nacionalidades lotaram aquele lugar, formando um coral mais bonito que o de um estádio de futebol durante a copa do mundo. E eu estava lá, com um gravador entre as mãos, à espera de que um dos dois cardeais mais cotados nas previsões dos vaticanistas - Odilo Pedro Scherer e Angelo Scola - aparecesse no balcão mais famoso do mundo. Estávamos todos errados.
Diante do Annuntio vobis gaudium magnum (...) Eminentissimum ac reverendissimum Dominum, Dominum (Georgium Marium), Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinali (Bergoglio), aquela emaranhado de gente eufórica silenciou-se. O recém-eleito não parecia alguém que estivesse à altura do cargo, já que, pelas redes sociais em ascensão no momento, se espalhava a informação de que aquele era “apenas o arcebispo de Buenos Aires, não o grande teólogo que todos desejavam”. Estávamos todos errados.
Seis anos se passaram. Falar de Papa Francisco, hoje, é falar de uma mudança de era para a Igreja Católica. O tão almejado líder católico que se coloca em diálogo com o mundo e abre as portas da Igreja para “os coxos e aleijados”, conforme diz o Evangelho, finalmente chega para resgatar o que seria a verdadeira tradição: no cristianismo há lugar para todos e isso faz parte da sua essência desde sempre. Do ponto de vista eclesiológico, talvez seja cedo para falar que Francisco promove o fim da chamada “Igreja Constantiniana”, mas certamente dá o impulso para que isso aconteça. E se por algum momento passou pela nossa cabeça que o papado atual fosse de transição, sim, estávamos todos errados. Francisco veio pra ficar. A Igreja de Francisco (e nossa) veio para ficar.
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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