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Em contraposição ao sentimento de superioridade, a compaixão leva a pessoa a sentir com o outro.
Ao cristão, ser compassivo é um imperativo. (Zac Durant/ Unsplash)
Por Daniel Reis*
Acompanhamos estarrecidos, nesses últimos tempos, sobretudo em nosso país, reações diversas e perversas no “tribunal das redes sociais” sobre vários acontecimentos trágicos que ocorreram, tais como a comemoração diante da morte de uma criança de 7 anos, por ser neta de uma figura política; a culpabilização de uma mulher, vítima de terrível agressão cometida por um sujeito que conheceu pela internet; a vibração pela morte de um viciado em drogas em um supermercado, assassinado por um segurança do estabelecimento; o escárnio da batalha travada por um ator famoso contra a dependência química. Reações constatadas internet afora que nos fazem perguntar (ou deveriam fazer): onde está a compaixão humana?
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Entende-se por “compaixão” a qualidade de sofrer com o outro, ou sofrer as dores do outro. A pessoa compassiva é a que consegue se compadecer, ou seja, padecer junto aos que sofrem. É também o sentimento que tem como nascedouro a nossa condição fraterna essencial, de iguais, de criaturas que passaram, passam ou passarão pelas mesmas mazelas e dores comuns a todos nós, seres humanos que somos.
A capacidade humana de sentir compaixão é atacada pelo vil sentimento de superioridade, traduzido na terrível mania de se achar melhor que os outros. Ao nos posicionarmos assim, acima e distantes dos que julgamos inferiores, desmantelamos a lógica da nossa natureza comum, da nossa base igualitária, e por este distanciamento perdemos nossa capacidade compassiva, pois nos esquecemos de que também estamos sujeitos a experienciarmos as mesmas dores dos outros.
Por outro lado, para aguçar em nós a compaixão, além da necessidade constante de nos reconhecermos como iguais, é preciso que trabalhemos um valor que também vem sendo esquecido e que, talvez, seja o gênero do qual a compaixão é uma espécie: a empatia. Etimologicamente, significa colocar-se no lugar do outro para sentir o que ele sente, regozijando-se com suas alegrias, preocupando-se com suas aflições, esperançando-se com suas expectativas e, no caso da compaixão, condoendo-se com seus sofrimentos. Sem o exercício de “alçarmos as âncoras” de nossas certezas e dogmatismos condenadores e nos lançarmos em direção aos outros, em uma salutar iniciativa de alteridade e empatia, jamais conseguiremos alcançar o nobre sentimento-valor que é a compaixão.
Para os que se dizem cristãos, ser compassivo não é uma opção. O Deus revelado em Jesus Cristo é “cheio de compaixão” (Sl 86,15), olha para os nossos sofrimentos e se compadece (cf. Ex 3,7), sendo que na plenitude dos tempos, como ápice de sua compaixão pela humanidade, não se limitou a dela ter pena, mas nela se encarnou para assumir e sofrer as nossas dores por nós. Cumprindo a profecia de Isaías (53,4), “Ele assumiu as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17). Ao invés de maldizer e condenar os que não cumpriam seus preceitos, “tornou-se Ele próprio um maldito” (Gl 3,13), “amando de tal modo o mundo que enviou seu Filho não para condená-lo, mas para salvá-lo (Jo 3,16-17), a fim de que não sofrêssemos a maldição da morte eterna, morrendo por nós suspenso na cruz.
Os evangelhos transbordam de exemplos de Jesus não só sentindo, mas agindo com compaixão pelos que sofrem. A seu exemplo, é preciso que não estagnemos no sentimento compassivo, mas ajamos para que, sofrendo com os nossos irmãos e irmãs, possamos aliviá-los.
Será que as sociedades contemporâneas, vivenciando um perigoso maniqueísmo, se tornaram tão odientas a ponto de afastarem por completo a compaixão, dando espaço ao sentimento de ódio coletivo e revanchismo vingativo? Será que os autoproclamados “cidadãos de bem” perderam a capacidade compassiva e, do alto de uma moral intransigente, excludente, anacrônica, preconceituosa e violenta, só sabem apontar, julgar e condenar? É preciso ter esperança! E aos que perderam a compaixão, faz bem começar a procurá-la.
*Daniel Reis é leigo, graduando em Teologia e em Direito, pela PUC Minas. Aluno do curso de Especialização em Liturgia, pelo Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard e Universidade Salesiana de São Paulo (UNISAL). Membro da coordenação e assessor da Comissão de Liturgia da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Membro do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia (SAL). Membro do Regional Leste II para a Liturgia, da CNBB. Membro da Diretoria da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI).
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