sexta-feira, 12 de abril de 2019

'Quero misericórdia e não sacrifícios' (Mt 9,13)

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O fundamental da fé cristã está na prática da misericórdia, aquilo que nos torna autenticamente semelhantes a Cristo.
A vida de Jesus foi marcada pela vivência da misericórdia e ela é exemplo para o cristão, que deve amar e servir como o Senhor. Na foto, Semana Santa da diocese de Guarulhos.
A vida de Jesus foi marcada pela vivência da misericórdia e ela é exemplo para o cristão, que deve amar e servir como o Senhor. Na foto, Semana Santa da diocese de Guarulhos. (Diocese de Guarulhos)
Por Antônio Ronaldo Vieira Nogueira*

Durante a quaresma fomos convidados a rever nossa caminhada de discípulos, iluminados pelo Espírito Santo, em vista de uma maior fidelidade nos passos de Jesus à vontade do Pai. A quaresma preparou-nos, assim, para bem celebrar a Páscoa do Senhor. E ao celebrá-la somos convidados também a fazer a nossa Páscoa.

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Um dos temas fundamentais do período quaresmal, característico da vida de Jesus e da missão da Igreja é a misericórdia. Como nos recordou o papa Francisco, na abertura do Jubileu extraordinário, a misericórdia é “a arquitrave que suporta a vida da Igreja” (Francisco, Misericordiae Vultus, n.09). A Igreja da misericórdia é a que agrada a Deus e revela-lhe plenamente, pois Deus é Misericórdia.

Falar da Misericórdia é nos aproximar com confiança de Deus que, antes, tomou a iniciativa de vir ao nosso encontro que e se volta para nós, assumindo, em si mesmo, nossas misérias. Isso é ação gratuita de Deus e não mérito nosso. A vida toda de Jesus foi guiada pela manifestação do amor misericordioso de Deus e ele o fez aproximando-se daqueles que eram os desprezados e descartados da sociedade de seu tempo: pobres, órfãos, viúvas, estrangeiros, pecadores, enfermos. Todos os miseráveis ocuparam o centro da vida e missão de Jesus. E, quando criticado pelos fariseus e mestres da lei sobre sua aproximação aos miseráveis, declara: “quero misericórdia e não sacrifício” (Mt 9,13).

A prática dos sacrifícios para agradar a Deus sempre esteve presente no horizonte do povo de Israel e foi alvo da crítica dos profetas quando não representavam um coração contrito e voltado para Deus, mas eram, muitas vezes, manchados pelo sangue inocente: “não suporto injustiça com solenidade” (Is 1,13d). Um culto que não leva aos outros não está em sintonia com Deus. Diz-nos ainda o papa Francisco: “O nosso culto agrada a Deus, quando levamos lá os propósitos de viver com generosidade e quando deixamos que o dom lá recebido se manifeste na dedicação aos irmãos” (Gaudete et Exsultate, n.104). Assim, o convite que nos é feito para de fato nos configurarmos a Cristo na obediência à vontade do Pai é ser misericordiosos como Ele (cf. Lc 6,36). Eis o desafio.

A misericórdia é, em primeiro lugar, gratuita. Não há mérito por parte da pessoa para ser seu beneficiário. Antes, poderíamos arriscar em dizer assim, são os sem mérito algum os que mais Deus busca e tem a iniciativa de ir ao encontro (cf. Lc 15, 11-32). Precisamos, pois experimentar a atitude de ir ao encontro de todos os que são descartados do nosso mundo. São os crucificados e miseráveis que devemos trazer sempre no coração se quisermos nos assemelhar a Cristo.

Em segundo lugar, a misericórdia é ativa. Ter as misérias do outro na própria vida e no coração não basta. É preciso fazer a pessoa sair da miséria em que se encontra. Quando contemplamos o mundo em que vivemos, nos deparamos com muitas situações de miséria existencial e material. Não podemos deixar que as coisas permaneçam como estão. Deus desceu ao encontro do povo de Israel para tirá-lo da escravidão do Egito, movido pelas entranhas de misericórdia (cf. Ex 3,7ss). Jesus se aproxima das pessoas para tirá-las da situação em que vivem: pecado, doença, marginalização etc. É assim que age a misericórdia: sente a dor do e com o outro para ajuda-lo a sair daí para uma vida com mais dignidade. É assim que age o discípulo do amor misericordioso.

Os cristãos celebramos nesses próximos dias o Mistério Pascal de Cristo, sua morte e ressurreição. É o mistério central da fé cristã e a liturgia nos apresenta uma riqueza simbólica que nos ajuda a não só refletir sobre nossa caminhada, mas mudar o rumo e viver de modo diferente, configurados e conformados a Cristo pelo Espírito na fidelidade à vontade do Pai. Porém, é sempre importante recordar que a liturgia celebra o que se vive e, de nada adianta participar dos ritos celebrativos se nosso coração está voltado, não para Deus, mas para a injustiça.

Sejamos, pois, autênticos discípulos de Cristo. Celebrando o mistério de sua Páscoa, acolhamos, em nós, para resplandecermos ao mundo a misericórdia que desce, conhece, sente, sofre e liberta.

*Antônio Ronaldo Vieira Nogueira é presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte-CE. Mestre em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) – Belo Horizonte-MG; professor de Teologia Sistemática e Coordenador do Curso de Graduação em Teologia na Faculdade Católica de Fortaleza – Fortaleza-CE.

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